Um juiz federal de Brasília determinou o recálculo da multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência da J&F, por “onerosidade excessiva”, e entendeu que a empresa dos irmãos Wesley e Joesley Batista sofreu coação ao fechar um acordo com o Ministério Público Federal por esse valor em 2017.
A decisão foi tomada no sábado (1º) pelo magistrado Antonio Claudio Macedo da Silva, da 10ª Vara Federal Criminal do DF.
Ele determina que a sanção original seja anulada e que a cláusula que determina a multa seja recalculada após a dedução integral de todos os valores pagos pela empresa ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos em razão dos mesmos fatos.
Também afirma que a limitação da base de cálculo deve ter relação exclusiva com atividades, receitas e contratos da J&F sob a jurisdição brasileira e “diretamente relacionados aos ilícitos objeto do acordo”.
Um acordo de leniência é uma espécie de delação premiada de uma empresa, na qual ela aponta irregularidades que foram cometidas e aceita pagar uma multa em troca de benefícios na Justiça.
Ainda não há uma previsão da Justiça de quais os novos valores a serem pagos pela J&F, mas a empresa estima que caia para R$ 1 bilhão. Ainda cabe recurso à decisão.
Em nota, a J&F diz que o recálculo “desfaz uma injustiça, ao reconhecer a ausência de voluntariedade da J&F na sua assinatura e a mácula ao cálculo e à legalidade do mesmo”.
“Considerando os cálculos realizados pelo MPF com base na lei, a J&F estima que o valor corrigido da multa fique em torno de R$ 1 bilhão, a despeito de a Operação Spoofing [que investigou responsáveis pela invasão hacker a aparelhos de integrantes da Lava Jato] ter revelado que o valor correto da multa seria de R$ 595 milhões”, diz a empresa.
A ação de revisão do acordo de leniência foi apresentada pela própria J&F contra o Ministério Público Federal, que firmou a leniência com a empresa em 2017.
A J&F pediu que os valores fossem revistos, além do cálculo da multa. A defesa da empresa argumentava que o valor de R$ 10,3 bilhões de multa foi estabelecido sob coação e de forma ilegal, e que isso violaria a metodologia de cálculo prevista na lei anticorrupção e em um decreto presidencial vigente à época.
Segundo a empresa, os critérios do Ministério Público foram arbitrários, porque incluía o faturamento global da J&F e uma “multa híbrida”, que penalizava a empresa mesmo sem o estado reconhecer alguns danos ao erário.
“A negociação [do acordo] foi conduzida em um ambiente de insegurança jurídica sistêmica que potencializou o poder de barganha do órgão ministerial e criou as condições para a coerção”, diz o juiz em sua decisão.
“A conduta imputada ao Ministério Público se afasta dos standards de legalidade e boa-fé exigíveis em um Estado de Direito democrático”, acrescenta.
Na decisão, o juiz condena o Ministério Público Federal e os assistentes de acusação, a Petros e o Funcef, ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios.
A Folha procurou o Ministério Público Federal e aguarda um posicionamento.
A emmpresa vem tentando recalcular os valores do seu acordo de leniência nos últimos anos.
Por ter feito acordo apenas com o Ministério Público, e não com a CGU (Controladoria-Geral da União), a J&F ficou de fora da recente repactuação de acordos com empreiteiras envolvidas nos escândalos revelados pela Operação Lava Jato validada pelo ministro André Mendonça, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Uma das suas tentativas de recálculo foi a negociação de um novo acordo de leniência com a própria CGU, que foi interrompida no começo deste ano.
No fim de 2023, o ministro do STF Dias Toffoli deu uma decisão que beneficiava a empresa e suspendeu o pagamento da multa de R$ 10,3 bilhões no acordo de leniência.
Na mesma decisão, Toffoli autorizou o grupo empresarial a ter acesso à íntegra das mensagens da Operação Spoofing, que possui conversas entre procuradores da Lava Jato.
Em resposta à decisão de Toffoli, o ministro André Mendonça abriu no início de 2024 uma mesa de negociação entre as empreiteiras que firmaram acordos de leniência e a União.
Somente empresas que firmaram leniência com a AGU (Advocacia-Geral da União) e com a CGU, órgãos do governo federal, conseguiram acesso a um desconto no pagamento, o que não era o caso da J&F.