Womex 2025: Brasil quer se reposicionar no mercado musical - 04/11/2025 - Ilustrada

Womex 2025: Brasil quer se reposicionar no mercado musical – 04/11/2025 – Ilustrada

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Aquele velho Brasil brasileiro —do mulato inzoneiro, dos balangandãs de Carmem Miranda e da garota de Ipanema— ainda sobrevive no imaginário do país projetado por sua música mundo afora. Mas, em meio aos estandes e palcos da edição deste ano da Womex, a Worldwide Music Expo —uma das maiores feiras globais do mercado musical, realizada este ano na cidade de Tampere, na Finlândia— se percebe que esse retrato ganha novas cores.

Impulsionadas por um movimento que remonta ao manguebeat nos anos 1990, passa pelo funk carioca e deságua na cena contemporânea independente, outras ideias são associadas ao Brasil a partir de sua música. Para além da “alegria” e “calor”, surgem etiquetas como “vanguarda eletrônica periférica”, “resistência política” e “voz dos povos originários”.

A mudança é uma resposta à própria música desenvolvida no país ao longo das últimas duas décadas, mas também à profissionalização de toda a cadeia brasileira. A Funarte, Fundação Nacional das Artes, investiu, pelo segundo ano consecutivo, cerca de R$ 450 mil em um estande entre os maiores do evento, na delegação com diferentes agentes do mercado da música e em um palco dedicado a uma noite brasileira. Ano passado, a ação gerou US$ 1,2 milhão em negócios, com uma estimativa de mais US$ 1,37 milhão nos 12 meses posteriores, segundo o órgão federal.

“É uma importância estratégica mesmo, de posicionamento do país, de posicionamento das artes brasileiras”, diz Eulícia Esteves, diretora de Música da Funarte. Para ela, a presença brasileira na Womex 2025 espelha um país onde “a raiz e o contemporâneo andam lado a lado”. A ideia de que a música é também uma forma de diplomacia cultural atravessa o discurso oficial.

A lista de artistas brasileiros no evento inclui as mulheres indígenas paraenses Suraras do Tapajós, as tradições pernambucanas turbinadas de Flaira Ferro (PE), o sax de conexões afrolatinas de Esdras Nogueira (DF) e a sofisticação terrosa do show em conjunto de Badi Assad (SP) e Sérgio Pererê (MG).

O estado de São Paulo investe na internacionalização da economia criativa paulista e na promoção da cultura brasileira. Este ano, um programa do governo ofereceu ajuda de até US$ 3 mil a cada empresa selecionada —na Womex 2025, dez foram beneficiadas. A estratégia inclui também a ambição de trazer a feira, nunca sediada fora da Europa, para o Brasil em 2027 ou 2028.

No setor privado, a Brasil Música & Artes (BM&A) é quem articula a participação nacional há mais de duas décadas. Flávio de Abreu, presidente da agência, afirma que a música mainstream não é a única baneficiada. “Hoje, a atenção se volta à música da Amazônia e dos povos originários. É uma pauta atual no mundo todo. Povos originários canadenses, da Nova Zelândia, de vários países da África têm tido destaque na programação dos últimos anos.”

A pesquisadora e gestora cultural Dani Ribas, da Abramus, a Associação Brasileira de Música e Artes, deu início na Womex a uma pesquisa sobre a percepção do soft power brasileiro em um contexto de mudança. “Sem deixar de ser tributária do passado, ela está conseguindo colocar novos atributos em cena para rodar nesse circuito internacional. Isso vem junto com um movimento que põe o Brasil, depois de 20 anos, de novo na moda”.

Nos últimos anos, a ideia de resistência despontou na construção da imagem do país. A produtora Julie Karmark Jensen, da agência alemã Sonic Odissey Booking, descreve a música brasileira contemporânea como “alegre, moderna e resistente”. “Os artistas sobreviveram ao Bolsonaro! Quando ouço o Brasil com tantas coisas eletrônicas, mas também reinterpretando samba, forró, como Flaira Ferro, que acabei de ver aqui, trazendo a tradição mas também uma força punk, feminina. Isso é uma forma de resistência”.

Christine Semba, diretora da Womex, nota que os últimos anos ampliaram o repertório de referências sobre o Brasil: “Mesmo que estilos tradicionais como samba e bossa nova continuem dando identidade ao Brasil, outros estilos mostram dinamismo e criatividade. O baile funk, por exemplo, tem grande força nas pistas internacionais”.

A cabo-verdiana Jenny Spencer Medina, diretora da agência portuguesa Ao Sul do Mundo, acredita que o funk ainda está longe do lugar que poderia ocupar. “Ele domina as pistas, mas muitas vezes é tratado apenas como música de festa”, afirma. “É preciso criar um circuito que permita programar esses artistas em festivais, em palcos prestigiados de música eletrônica, para ter uma representação mais séria e consistente”.

A brasileira Luanny Tiago da Conceição, representante da Berlin Music Commission, percebe o mesmo processo por outro ângulo. “DJs europeus misturam música brasileira com eletrônica, e isso desperta curiosidade. A partir do funk, as pessoas descobrem o carimbó, o forró, o samba. Criam o próprio pequeno Brasil aqui na Europa”. O funk, observa, tornou-se a principal via de atualização do imaginário brasileiro no exterior —uma nova síntese entre periferia e globalização.

Produtor de nomes como Céu e Liniker, André Bourgeois, hoje na The Rhythm Foundation, de Miami, avalia que o olhar sobre o Brasil no exterior ainda carrega simplificações, mas acredita que elas podem ser superadas. “O pessoal vai pensar samba, futebol, e tudo bem. O artista tem que passar por cima disso e mostrar seu som. Quanto mais local, mais vai ter a identidade do seu país e mais forte é. O pior caminho é tentar diluir o que você faz pra agradar o pessoal de fora”, diz.

Para Antonio Martinez, diretor da agência alemã Endirecto, o maior equívoco quando se pensa uma imagem do Brasil a partir de sua música é imaginar que exista apenas um som que represente o país. Ele observa que a força da presença brasileira na Womex está justamente em desfazer essa ideia.

“O que caracteriza o Brasil é a diversidade”, afirma. “Por isso, mais do que encaixar a música brasileira num formato, o que se deve buscar é compreender cada manifestação em suas raízes, seus motivos, suas influências”. Para Martinez, essa curiosidade —mais do que qualquer consenso sobre identidade— é o que mantém o interesse do mundo pela música brasileira.



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