Pela primeira vez desde a redemocratização, o Partido Comunista do Chile chega às vésperas de uma eleição presidencial liderando as pesquisas. A responsável por esse feito é Jeannette Jara, 51 anos, ex-ministra do Trabalho de Gabriel Boric, que disputa o pleito deste domingo (16/11) com chances de sucedê-lo no cargo.
Apesar de ter ocupado um dos cargos mais destacados de um governo altamente impopular, Jara tenta se “descolar” da gestão Boric e adota o status de ser “a cara do povo”. Seu discurso combina a defesa de direitos sociais com sinais de pragmatismo em áreas sensíveis como segurança pública e migração, temas que dominam o pleito mais polarizado do país em décadas.
Da periferia de Santiago às eleições presidenciais
Nascida em El Cortijo, um bairro pobre do norte da capital chilena, Jara é a mais velha de cinco irmãos. Filha de pai operário e mãe dona de casa, trabalhou na colheita de frutas na adolescência e foi a primeira da família a concluir o ensino superior. Estudou administração pública e direito na Universidade de Santiago do Chile, onde também iniciou sua trajetória política.
Aos 15 anos, ingressou nas Juventudes Comunistas (JJCC) e, em 1997, presidiu a Federação de Estudantes da universidade, consolidando-se em sua projeção na esquerda chilena.
Nas décadas seguintes, construiu carreira na gestão pública. Foi vice-ministra do Desenvolvimento Social no governo Michelle Bachelet e, mais recentemente, ministra do Trabalho e Previdência de Gabriel Boric.
No cargo, protagonizou algumas das poucas vitórias legislativas do atual presidente:
- redução da jornada semanal de 45h para 40h,
- aumento do salário mínimo,
- e reforma do sistema privado de pensões, principal bandeira do governo.
Jara surpreendeu ao vencer, com folga, as primárias da centro-esquerda em junho, quando obteve cerca de 60% dos votos e superou nomes tradicionais, como Carolina Tohá, apoiada pelo Partido Socialista, pelo PPD e pela Democracia Cristã.
A vitória consolidou sua posição como líder de uma ampla coalizão — a Unidade por Chile, que reúne Partido Comunista, Frente Ampla, Socialistas, Radicais, Verde Social, PPD, Ação Humanista e independentes.
Sua candidatura tornou-se a alternativa progressista para a sucessão de Boric, que não pode concorrer à reeleição.
Chile dividido
- A candidatura de Jara emerge em meio à década mais turbulenta do país desde a redemocratização, diante dos protestos de 2019 que deixaram 32 mortos e mais 3 mil feridos.
- As tentativas de redigir uma nova Constituição fracassaram duas vezes, a direita radical cresceu apoiada no discurso de ordem e com a criminalidade dominando o debate público.
- Nesse cenário, a disputa se cristalizou entre a comunista moderada e os candidatos da direita.
- José Antonio Kast, do Partido Republicano, amigo de Jair Bolsonaro e defensor de políticas duras contra crime e migração;
Johannes Kaiser, ultraliberal, youtuber e provocador e Evelyn Matthei, alternativa de centro-direita mais moderada.
Comunista, mas pragmática
Embora filiada ao Partido Comunista desde a adolescência, Jara representa a vertente social-democrata da sigla, mais inclinada ao diálogo com o centro. A candidata endureceu o discurso em duas áreas sensíveis para o eleitorado: o de segurança pública e migração.
Atualmente, segurança é a principal preocupação nacional. O Chile, historicamente um dos países mais seguros da região, enfrenta aumento de homicídios, sequestros e ações de crime organizado. Jara promete tratar a segurança “desde o primeiro dia” e defende ampliar investimento policial e inteligência.
E, com a crise migratória acentuada desde 2018, a candidata adotou um discurso de reforço de fronteiras e processos mais rígidos de regularização.


