Réplica: Estande do Brasil em Frankfurt é parte da solução - 03/11/2025 - Ilustrada

Réplica: Estande do Brasil em Frankfurt é parte da solução – 03/11/2025 – Ilustrada

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O artigo “Brasil é vira-lata na Feira de Frankfurt por falta de estratégia com os livros“, publicado na Folha na última sexta (31) pela publicitária e livreira Agatha Kim, me surpreendeu pela negatividade e parcialidade. Foi sua primeira vez na maior feira de livros do mundo —e isso talvez explique muita coisa.

A Feira de Frankfurt é, essencialmente, um evento de negócios: compra e venda de direitos e negociações entre empresas do setor editorial. Ali se respira o negócio do livro, não a celebração literária.

Leitores e autores têm papel secundário, e vastas áreas são dedicadas a livros acadêmicos e didáticos. Nesse contexto, considero o estande e a participação do Brasil exitosos.

Uma das críticas da autora é pertinente: de fato, falta ao Brasil um programa sólido de apoio à tradução. A Fundação Biblioteca Nacional ainda mantém o seu, mas é preciso criar iniciativas mais consistentes e duradouras.

O Bolsa Tradução, criado e mantido de 2019 a 2021 pelo Brazilian Publishers —parceria formada pela Câmara Brasileira do Livro e pela Apex-Brasil, que juntas organizam o estande brasileiro—, precisa ser retomado.

Afinal, vender direitos de línguas periféricas é tarefa árdua: nos Estados Unidos, por exemplo, apenas cerca de 3% das publicações são traduções. Nesse cenário, a atuação do Brazilian Publishers se destaca e merece reconhecimento, pois é fundamental para projetar o livro brasileiro no exterior.

Cabe a nós valorizá-la e buscar novos financiamentos para fortalecer suas ações, como o programa de fellowship que traz editores estrangeiros ao país.

As demais críticas de Kim ao estande brasileiro precisam ser colocadas em contexto. Ela aponta falhas na identidade visual, na ausência de catálogo e na falta de programação. No entanto, o estande tem boa presença, é imponente e bem localizado. A identidade visual poderia ser melhor, mas não fica atrás das de países como Itália ou França —e, em Frankfurt, o material impresso costuma ser simplesmente ignorado.

Quanto à programação, é importante lembrar que os profissionais do livro têm agendas lotadas e que eventos em estandes raramente atraem público. Ainda assim, uma rodada de encontros promovida no primeiro dia da feira reuniu mais de 20 empresas estrangeiras no estande brasileiro —um resultado expressivo para os padrões de Frankfurt.

Kim compara o estande do Brasil ao de países como Estônia e Taiwan —um paralelo sem sentido, considerando a diversidade e a complexidade do mercado brasileiro. Ainda mais infeliz, porém, é a comparação com a Coreia do Sul.

A autora contrapõe o tamanho das indústrias do livro dos dois países no contexto da promoção internacional, ignorando que essa diferença resulta de inúmeros fatores —e que, para nações como Brasil e Coreia, que estão fora do eixo central, os negócios internacionais têm peso mínimo. Usar esse argumento para desqualificar o estande e o trabalho do Brazilian Publishers soa, no mínimo, desonesto.

Apontar o efeito do k-pop —um fenômeno global do entretenimento que nem surgiu na literatura— e o Nobel de Han Kang como prova de que a Coreia do Sul trabalha melhor que o Brasil é uma inversão de causa e efeito.

Se o Brasil tivesse um Nobel de Literatura e um movimento de “b-pop” do porte do coreano, o trabalho do Brazilian Publishers certamente renderia mais frutos. Infelizmente, o funk carioca ainda não conquistou o mundo, apesar dos esforços de Anitta.

Insinuar que Machado de Assis e Clarice Lispector tenham o alcance global de ícones do k-pop é, no mínimo, ingenuidade. Mesmo que o Brazilian Publishers colocasse bonecos de Olinda do Bruxo do Cosme Velho e da autora de “A Hora da Estrela” na entrada da feira, o efeito seria mínimo.

Chamar a participação brasileira em Frankfurt de “vira-lata” não reflete a realidade. O estande serve como base para reuniões, negócios e networking dos editores brasileiros —e cumpre com êxito esse papel.

Sua proposta é democratizar a presença em feiras internacionais, permitindo que editoras médias e pequenas tenham espaço para encontros e contatos. Por isso, o estande sempre reúne uma rica pluralidade de participantes. Chamar de “mosaico irregular de editoras” um programa que justamente promove diversidade e democratização é inaceitável.

O estande cumpre com maestria sua função logística. Pode parecer pouco, mas é essencial lembrar que ele está presente nas quatro maiores feiras do Ocidente —Frankfurt, Bolonha, Londres e Guadalajara—, onde muitas vezes não há onde sentar para reuniões de negócios.

Também serve como ponto de descanso em meio à maratona de Frankfurt —eu mesmo caminho cerca de dez quilômetros por dia na feira— e oferece um ambiente acolhedor.

Nosso atendimento, aliás, é o melhor da feira: assistentes simpáticos e bilíngues sempre surpreendem os convidados. Em outros estandes, oferecer um simples café ou água consome preciosos minutos de reunião; no brasileiro, isso é resolvido com eficiência e cordialidade. Toda a equipe do estande, das recepcionistas aos montadores, está de parabéns.

Em Frankfurt, o Brasil faz o que sabe fazer de melhor. Todos os dias, a feira termina com inúmeros coquetéis —momentos em que algo importantíssimo acontece: o networking.

É nesses encontros que surgem muitas oportunidades de negócio —e, nesse campo, o Brasil dá uma goleada de 10 a 0 com o tradicional “Caipirinha Hour”, um dos eventos mais animados da feira, com música dançante e coquetéis disputados.

Esse clima de hospitalidade projeta uma imagem positiva do país, funcionando também como diplomacia cultural e, claro, gerando negócios. Fica até a sugestão ao estande da Coreia do Sul: quem sabe incluir um coquetel na próxima edição? O público certamente apreciaria o destilado soju —é só não fazer na quinta-feira, porque todos estarão no estande brasileiro…

Brincadeiras à parte, com mais de 20 edições de Frankfurt no currículo, posso afirmar que o estande brasileiro está longe de ser um fracasso. É funcional, digno e cumpre plenamente seu papel estratégico.

Nada tem de vira-lata. Como explicou Nelson Rodrigues: “Por ‘complexo de vira-latas’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”.

Neste caso, o complexo de vira-lata está claramente nos olhos de quem critica. E, na primeira Feira de Frankfurt, a gente vai para aprender —não para diagnosticar.



Fonte Original (clique aqui)

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