'Macbeth': música excelente contrasta com direção cênica - 02/11/2025 - Ilustrada

‘Macbeth’: música excelente contrasta com direção cênica – 02/11/2025 – Ilustrada

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“O que estão fazendo, mulheres misteriosas?”, pergunta Macbeth às Bruxas. “Uma obra sem nome”, é a resposta solene. Há, de fato, um quê de inominável, daquilo que vem “das regiões baixas e elevadas”, sem mediações, na trama tecida por Shakespeare.

A versão de Verdi para a história do “trono manchado de sangue” –título adotado na versão cinematográfica de Akira Kurosawa para a peça– está em cartaz no Theatro Municipal de São Paulo.

Após o sucesso de “Nabucco”, sua terceira ópera, Verdi escreveu quatorze obras entre 1843 e 1850: “Macbeth“, que estreou em 1847, está entre elas. Ela ainda não ostenta o grau de sutileza psicológica que caracterizaria suas produções (a partir de “Rigoletto“) na década seguinte, mas tem força e beleza. Foi a sua primeira experiência com um texto de Shakespeare, a quem ele voltaria, já octogenário, para compor “Otello” e “Falstaff“.

“Macbeth” é desafiadora na escrita das vozes solistas –especialmente para o papel de Lady Macbeth, a personagem central na versão operística. Ter a soprano (nascida em Kosovo) Marigona Qerkezi nessa personagem é um privilégio: graves robustos, fluidez e homogeneidade vocal em toda a ampla tessitura exigida, cores variadas, expressão exata e uma projeção que faz a sua atuação ser um destaque da nossa cena lírica.

A seu lado, o baixo-barítono Craig Colclough (nascido nos Estados Unidos) interpreta com igual brilhantismo o papel do regicida que dá nome à obra. Os cantores brasileiros Savio Sperandio, como Banquo, e Giovanni Tristacci, como Macduff, completam um dos mais sólidos elencos das montagens operísticas paulistanas dos últimos tempos.

Dirigida por Roberto Minczuk, a Orquestra Sinfônica Municipal está em ótima forma: sabe-se que o maestro nunca gosta de tomar tempos lentos, mas essa agilidade não retira o espaço necessário para a expressão e o acabamento das frases.

Enérgico, o Coro Lírico começou um pouco ansioso, mas pouco a pouco os tempos se ajustaram e as vozes agudas atingiram o amálgama ideal.

Posto isso, cabe comentar a concepção de Elisa Ohtake, que assina tanto a direção cênica como a cenografia. Na récita de estreia, na última sexta-feira (31/10), em dois breves momentos, houve uma forte manifestação da plateia, que acabou se dividindo em dois grupos; ambos não pouparam brados agressivos, e algumas (poucas) pessoas optaram por sair do espetáculo.

Antes de tudo é preciso pontuar que a montagem de Ohtake, goste-se ou não dela, não se propõe a ser provocativa: não haveria problema se assim o fosse (já há muito tempo a arte tem múltiplas funções), mas simplesmente não é o caso. Cabe também frisar que, tanto o texto dos libretistas (cantado em italiano, o idioma original), como a música de Verdi, são integralmente preservados.

Descrita acuradamente por Henrique Artuni nesta Folha, a concepção visual minimalista de Ohtake, que coloca no palco enormes círculos concêntricos e um paredão prateado, que se move – primeiro inclinando-se sobre as personagens, depois descendo na vertical, invariavelmente apertando e oprimindo a cena –, mesmo sem ser ideia inovadora, não deixa de ter eficiência.

Já o escorpião de plástico e a poltronas infláveis, entrando e saindo do palco, “solam” um tanto desnecessariamente. Parece faltar à direção cênica o acabamento formal presente na música. Não foi, entretanto, nada disso o que causou a indignação na récita do Dia das Bruxas.

Duas intervenções extemporâneas, concebidas pela diretora para mudanças de cenários, utilizaram recursos audiovisuais, mostrando, primeiro, a rainha-soprano nos bastidores, entrando no camarim, fazendo caras e bocas, e, depois, o barítono-rei saindo para fora do teatro para comprar um pacote de pipoca. Tão só disso veio a gritaria.

O uso de técnicas de vídeo em óperas tem se tornado muito comum nas montagens paulistanas do Municipal e do São Pedro, e não há, igualmente, qualquer problema nisso, tanto que o mesmo recurso, durante a cena do banquete no segundo ato, amplifica a alucinação de Macbeth, que vê à sua frente o fantasma de Banquo.

Os dois interlúdios, porém, além de cinematograficamente fracos, nada acrescentam à fruição da obra, e nem provocam distanciamento crítico.

Nesse sentido, eles estão, como realização –e a comparação torna-se inevitável–, muito aquém da concepção de Robert Wilson, em montagem da mesma ópera, no mesmo teatro, realizada em 2012, na qual os cantores, estáticos, olhando para o público em meio a geometrias de luz, perscrutavam as nuances harmônicas da música.



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