Japão: donos de lojas de conveniência vivem sob pressão - 05/11/2025 - Mercado

Japão: donos de lojas de conveniência vivem sob pressão – 05/11/2025 – Mercado

Projetos Sociais Últimas Notícias


Depois que Akiko se casou, em 2021, o marido passou a trabalhar dia e noite como gerente de uma loja 7-Eleven na província de Oita, no sul do Japão. Ele não teve um único dia de folga antes de morrer por suicídio, quase 16 meses depois.

“Ele dizia ao dono que o trabalho era pesado demais e queria sair, mas não havia funcionários. Como gerente, não tinha quem o substituísse”, contou Akiko, que pediu anonimato. “Deveria tê-lo forçado a sair antes. Agora só restam arrependimentos.”

Em 2023, o Escritório de Inspeção dos Padrões Trabalhistas concluiu que o suicídio do homem de 38 anos teve relação direta com o excesso de trabalho, após comprovar seis meses sem descanso.

Eficientes ao extremo, impecavelmente limpas e com bolinhos de arroz, frango frito e sanduíches disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana, as lojas de conveniência japonesas são motivo de admiração para turistas e um pilar da vida cotidiana no país. Mas o modelo de franquias que sustenta essas redes revela um lado sombrio, pressionado pela escassez de mão de obra e pelo envelhecimento populacional.

Reiji Kamakura, secretário-geral do Sindicato das Lojas de Conveniência, disse que os donos enfrentam forte pressão e não conseguem contratar. “Quando falamos em ponto de ruptura, é agora”, afirmou. Segundo ele, só será possível aliviar o peso se as grandes empresas repassarem mais lucros aos franqueados.

As três principais redes —7-Eleven, FamilyMart e Lawson— operam sob o mesmo modelo: os franqueados pagam uma fatia das vendas ou do lucro bruto como royalties em troca da marca, dos produtos e da cadeia de suprimentos. No caso da 7-Eleven, de 40% a 70% do lucro bruto vai para a empresa. A 7-Eleven Japan não reconhece o sindicato, já que os donos não são empregados diretos.

Após protestos em 2019 contra a obrigatoriedade de funcionamento 24 horas, as redes flexibilizaram o horário, mas os franqueados dizem ainda se sentir pressionados a manter as lojas abertas o tempo todo.

Para Tomomi Nagai, analista da Toray Corporate Business Research, os altos custos trabalhistas estão corroendo a renda dos franqueados e ameaçam tornar o modelo “insustentável”. “O consumo vem caindo e falta mão de obra. Estamos num verdadeiro período de transição.”

As redes tentam reduzir o impacto com caixas automáticos, inteligência artificial e robôs de limpeza, mas, se isso não bastar, podem ser forçadas a rever contratos ou fechar unidades.

Um veterano executivo do varejo afirmou que o setor esconde “muitos prejuízos invisíveis” arcados pelos franqueados e corre risco de um “colapso repentino” na disposição de abrir novas lojas.

A Seven & i Holdings, dona da 7-Eleven, é a mais afetada. A companhia resistiu recentemente a uma oferta de US$ 46 bilhões da canadense Alimentation Couche-Tard, mas suas vendas crescem em média só 0,8% ao ano, contra mais de 4% das concorrentes.

Uma pesquisa interna com 13 mil franqueados, obtida pelo Financial Times, mostrou que 90% deles estão preocupados com o aumento do salário mínimo e com o plano do grupo de abrir mais mil lojas até 2030, em meio à concorrência de drogarias e supermercados como o My Basket, da Aeon.

O presidente da Seven & i, Stephen Dacus, reconheceu o risco de perder franqueados se as vendas não reagirem. Sobre o caso de Oita, disse que a empresa “não controla os salários”, mas adotará medidas para reduzir a carga de trabalho e evitar novas tragédias.

A 7-Eleven Japan criou um sistema de alerta, já em desenvolvimento antes do caso, que notifica donos sobre excesso de horas ou falta de folgas.

Dacus, que trabalhou em uma loja 7-Eleven do pai nos EUA, afirmou que a prioridade é ajudar os franqueados a vender mais. “Precisamos inovar com produtos melhores, margens mais altas e investir mais em tecnologia.”

O sindicato diz que a pressão sobre os donos para manter as lojas abertas o tempo todo só aumenta.

A Seven & i, que gera 7,5% das vendas globais e mais da metade do lucro no Japão, quer adotar o modelo de “megafranquia” da Lawson, em que um único dono administra várias lojas. Para isso, estuda revisar contratos em 2027 —a primeira mudança em 50 anos.

Mitsuya Maki, vice-presidente da Lawson, reconheceu que contratar funcionários é um “ponto crítico”, mas disse que o foco está em soluções tecnológicas. “Não achamos que seja urgente mudar os contratos.”

Um gerente de loja da 7-Eleven em Honshu relatou queda nos lucros por causa de produtos pouco atrativos, envelhecimento da clientela e concorrência, inclusive de outras 7-Eleven. Ele afirmou trabalhar 30 horas por mês sem pagamento, número que deve crescer após o reajuste de 6% no salário mínimo, para 1.121 yuans (cerca de R$ 39) por hora.

“Fazer o trabalho sozinho reduz custos e mantém a loja no azul”, disse. “Mas o maior problema é que não conseguimos contratar. Se as mudanças na seguridade social previstas para 2026 forem aprovadas, será melhor fechar. Não dá para absorver esse impacto.”

Akiko teme pelo futuro dos franqueados se nada mudar. “Acho que há muitas pessoas como meu marido, que continuam trabalhando sem parar, sem ninguém para substituí-las.”



Fonte Original (clique aqui)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *