O procurador-geral da República, Paulo Gonet, pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) a prorrogação do prazo para as conclusão das investigações sobre suspeitas de vendas e vazamentos de decisões em gabinetes do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Em manifestação que está sob sigilo e foi obtida pela Folha, o PGR também levantou dúvidas a respeito de suspeitas que foram apontadas em relatório da Polícia Federal entregue no início de outubro.
Os questionamentos de Gonet tratam, sobretudo, em relação às suspeitas da PF sobre mensagens codificadas e à participação da Fource, empresa de gestão patrimonial que é uma das principais investigadas no caso.
O relatório da PF se baseou principalmente em informações contidas no celular do advogado Roberto Zampieri, assassinado em 2023, e de apurações sobre o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves e sobre pessoas que trabalharam no STJ.
Para o procurador-geral, as hipóteses criminais apontadas pela PF são verossímeis. Ele pediu que medidas cautelares, como prisões e uso de tornozeleiras eletrônicas em suspeitos do caso, sejam mantidas.
No documento, Gonet diz que não vê impedimento para que o relator do caso, ministro Cristiano Zanin, dê maior prazo para que a PF apresente esclarecimentos a pontos ainda não concluídos na investigação.
“É recomendável, ainda, que a Polícia Federal delimite com clareza os pontos da investigação que ainda demandam produção adicional de provas, ou que se encontrem com diligências em curso ou com análises pendentes de conclusão”, diz o PGR.
Porém, Gonet afirma que embora o relatório da PF “trace um extenso panorama de fraudes comumente encontradas em processos envolvendo fraudes falimentares, não há referência a processos dessa espécie entre aqueles considerados suspeitos pela autoridade policial”.
O mesmo pode ser dito, segundo ele, em relação à Fource, que era apontada no relatório como “pilar de impulsionamento do esquema criminoso”.
Para o PGR, isso “suscita dúvidas quanto à existência de elementos que respaldem a via investigativa eleita”.
No relatório, a PF dizia que a Fource foi concebida sob a aparência de uma empresa especializada em recuperação judicial e reestruturação de companhias de crise, mas foi “instrumentalizada como um mecanismo de burlar credores e manipular processos judiciais em benefício próprio”.
De acordo com a polícia, parte dos processos sob suspeita de terem sido negociados em gabinetes do STJ e de outros tribunais eram de interesse de Haroldo, de seu sócio Valdoir Slapak e da empresa de consultoria.
Procurada pela reportagem, a Fource disse, por meio de nota, que “confia que o Ministério Público e o Poder Judiciário se atenham aos fatos e às provas, assegurando, com lucidez, a verdade e a Justiça”.
“A Fource reitera a fragilidade do conteúdo do relatório da Polícia Federal, que se baseia em meras relações e conclusões subjetivas, sem apresentar qualquer elemento concreto ou prova que sustente as alegações ali contidas”, diz a empresa.
“O relatório ignora a ausência de irregularidades efetivas, apoiando-se em mensagens descontextualizadas sem fundamento técnico ou jurídico. Reafirmamos nossa integridade, nosso profissionalismo e a credibilidade que marcam nossa trajetória no mercado.”
A empresa diz que permanece à disposição das autoridades.
Na manifestação enviada ao Supremo, Gonet também viu falta de referência, no relatório, às análises e informações policiais sobre os elementos extraídos de aparelhos celulares, “o que inviabiliza não somente a conferência dos elementos como também sua necessária contextualização”.
“O mesmo, diga-se, ocorre para as análises de operações financeiras e fluxos bancários.”
Ele também diz que circunstâncias descritas no relatório embora “não se fazem acompanhar de elementos de corroboração”.
De acordo com o PGR, não são encontrados, ao menos a princípio, elementos que fundamentem uma tese de que os envolvidos se comunicavam por meio de disfarces nominais ou de códigos.
No início de outubro, a PF apresentou um relatório preliminar da operação, chamada Sisamnes, cuja primeira fase completa um ano neste mês. O relatório resume as principais linhas investigativas da operação até o momento.
A PF apontou, nele, a suspeita que outros servidores do STJ, além de três já identificados, tenham participado de um esquema de venda e vazamento de decisões da corte e pretende ampliar as suas investigações para saber quem são essas pessoas.
A Sisamnes foi instaurada para apurar irregularidades cometidas em gabinetes do tribunal e menciona a reprodução de “padrões típicos de atuação de organizações criminosas”.
Os três servidores já identificados trabalhavam com ministros da corte e estão entre os principais investigados da operação. A desconfiança da PF é que haja outros. As defesas deles sempre negaram irregularidades.