Ao fim de cada ano, muitos repetem o mesmo ritual: revisar investimentos, calcular o benefício fiscal e decidir onde aplicar o aporte da previdência. É como quem, diante do armário, tenta escolher a roupa certa para a ocasião —mas percebe que tem dez peças parecidas. O excesso de opções não é sinônimo de variedade, e o mesmo vale para quem acumula fundos de previdência achando que está diversificando.
A dúvida é legítima: devo aplicar no mesmo fundo de previdência ou aproveitar para incluir um novo? O problema é que muitos confundem diversificar com somar produtos. Assim como um guarda-roupa cheio de roupas iguais não amplia as possibilidades de estilo, uma carteira repleta de fundos com o mesmo comportamento não reduz o risco.
O filósofo Michel de Montaigne escreveu que “nada é tão certo que não possa falhar”. A frase serve bem a quem acredita que a simples multiplicação de produtos garante segurança. Diversificar não é espalhar o dinheiro, mas combinar ativos que reagem de maneira diferente aos mesmos acontecimentos.
Essa confusão vem do hábito de olhar para o que está à venda, e não para o que se está construindo. As instituições financeiras ensinam o investidor a pensar em produtos, porque são esses que oferecem. Mas um produto é apenas o veículo —o meio de acessar uma classe de ativo. Já uma classe de ativos é o grupo de investimentos com características semelhantes de risco, retorno e sensibilidade às mesmas variáveis econômicas. A renda fixa prefixada, por exemplo, pode ser acessada por CDBs, debêntures, fundos ou previdência. Todos esses pertencem à mesma classe.
A previdência privada, portanto, não é uma classe de ativo, mas um veículo tributário que abriga diferentes tipos de investimento. Ela pode conter renda fixa, multimercado, ações nacionais ou internacionais —e deve ser analisada dentro da carteira como qualquer outro fundo. As mesmas regras se aplicam: quanto maior o risco, menor deve ser o peso concentrado em um único e maior a necessidade de diversificar. Mas, mesmo com mais risco, dividir demais pode ser prejudicial.
Nos fundos de ações, por exemplo, ter mais de três gestores focados em Brasil raramente faz diferença. Quando se acumulam vários fundos, as posições agregadas acabam convergindo para o índice, e o investidor acaba pagando mais para obter um rendimento passivo. O mesmo ocorre quando se tem mais de três multimercados de estratégias parecidas: posições opostas entre gestores podem se anular e reduzir o potencial de ganho ao CDI menos as taxas.
Já na renda fixa, especialmente em crédito privado, a pulverização faz sentido. Ter mais fundos pode ajudar a diluir riscos específicos, desde que cada um traga exposição distinta — de prazo, indexador ou emissor.
Mas o ponto central é que a previdência não deve ser avaliada isoladamente. Ela faz parte da carteira total. Se sua previdência representa menos de 7% do patrimônio financeiro, dividir esse valor em mais de dois fundos de renda fixa dificilmente trará benefício real. Afinal, você já deve ter outros fundos de renda fixa com pesos similares, entre 2% e 5% do total.
Ao fazer seu aporte de fim de ano, vale lembrar: mais importante que escolher um novo fundo é entender o papel da previdência dentro do conjunto de toda a carteira. No guarda-roupa e na carteira, o equilíbrio está em ter o suficiente —nem mais, nem menos— para estar preparado para qualquer cenário.
Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.
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