O filme “Guerreiras do K-Pop” viveu uma jornada tão inusitada quanto a das suas protagonistas, caçadoras de demônios que trabalham com estrelas da música nas horas vagas. O longa, afinal, foi jogado sem muita divulgação no catálogo da Netflix, em agosto, mas chamou atenção de uma porção de gente, cresceu no boca a boca e explodiu em popularidade, tornando-se o mais visto da plataforma.
Suas músicas, que ficaram semanas entre as mais ouvidas das principais paradas do mundo, têm papel fundamental na criação do fenômeno. Tanto é que o filme acaba de ganhar indicações ao Grammy, a premiação mais importante da música, com a faixa “Golden”, nomeada na categoria de canção do ano, uma das quatro principais do evento.
É raro que esta categoria reconheça músicas escritas para filmes, especialmente de animações —nem mesmo o megassucesso “Let it Go”, do filme “Frozen”, chegou lá.
Curioso também foi ver o filme chegando às salas de cinema, no final de semana passado, três meses depois da estreia, para sessões no estilo “cante comigo”, em que era liberado entoar as músicas —alto ou baixinho, a depender da empolgação do público.
Assim, “Guerreiras do K-Pop” seguiu o inverso da lógica que rege a indústria audiovisual —surgiu no streaming para só depois ir aos cinemas. Houve aí, ainda, uma estratégia da Netflix de reforçar o apelo do longa para o Oscar do ano que vem, que valoriza a exibição nas telonas.
Fato é que o longa foi um dos maiores fenômenos não só deste ano, como dos últimos tempos. Vista mais de 320 milhões de vezes na Netflix —com folga de quase 100 milhões em relação ao segundo lugar, “Alerta Vermelho”, filme de 2021— a animação mistura músicas grudentas, cultura coreana e uma guerra entre guerreiras e demônios. Na trama, Mira, Zoey e Rumi precisam se unir para destruir uma banda de rapazes endiabrados.
No Dia das Bruxas, celebrado na penúltima sexta-feira, as protagonistas viraram fantasia para várias meninas e meninos.
De olho na ascensão do filme, a Netflix organizou uma rodada de entrevistas meses após o lançamento, manobra de divulgação tardia que é algo raro nesse mercado.
Os diretores Maggie Kang e Chris Appelhans parecem ainda aturdidos com o desempenho de sua criação. “O boca a boca aconteceu rápido. Os fãs fizeram muitos TikToks em poucos dias, o que acabou sendo uma forma de marketing tão boa quanto qualquer trailer que pudéssemos ter lançado. Fora que, estando na Netflix, ele pôde ir para todos os países de forma instantânea e criar conexões”, diz Appelhans, que é americano.
O filme também virou febre na Coreia do Sul. Não à toa, é claro, dado que a produção usa elementos não só da música pop de lá, mas de vários outros símbolos culturais do país, como o tigre Derpy e o magpie Sussie, personagens inspirados no folclore local. Aparecem também cenários da vida real, como a torre N Seoul Tower, que fica na capital do país, Seul, onde parte da história se passa.
“Muitos coreanos me perguntaram se o filme poderia ser considerado de lá”, diz Maggie Kang, a outra diretora, que fez “Guerreiras do K-pop” nos Estados Unidos e no Canadá. “E ele pode, sim. Não só porque eu própria sou coreana, mas porque tivemos uma equipe de coreanos que tentaram torná-lo o mais autêntico possível. Quem não era coreano mergulhou na cultura, comeu a comida, alguns até aprenderam o idioma”, ela conta.
Há também referências ocidentais. As dubladoras Ejae, Audrey Nuna e Rei Ami, que fazem as vozes cantadas de Rumi, Mira e Zoey, nesta ordem, contam ter se inspirado em grupos femininos de K-pop, claro, mas também em divas do pop americano, como Rihanna e Mariah Carey.
Dá para notar a influência em canções como “How it’s Done”, um pop agressivo, com toque de rap, que abre o filme, e no dueto romântico “Free”, cantada por Ejae e pelo sul-coreano Andrew Choi, que lembra algo que Ariana Grande e Harry Styles fariam.
Reportagens recentes da imprensa americana dizem que a Netflix e a Sony já fecharam acordo para uma sequência do filme, com previsão para 2029.
Na entrevista, feita antes disso, os diretores negaram a possibilidade, dizendo que qualquer papo sobre continuações ou live-actions deveria ser tratado como mera especulação. “Mas, é claro, temos muitas histórias que podem ser contadas nesse universo”, afirma Kang.
O legado de “Guerreiras do K-pop” por ora, os criadores esperam, é servir de estopim para outras produções que falam de culturas sobre as quais sabemos pouco. “Não veremos isso acontecer por enquanto porque leva tempo para se fazer animação. Mas desejo que o filme ao menos comece a conversa”, diz a diretora.