Sócio da AlmapBBDO desde 1993, Marcello Serpa inseriu a agência e ele mesmo no panteão da propaganda mundial. Primeiro latino-americano a ganhar o Grand Prix e o Leão de São Marcos no Festival de Cannes e receber o Achievement Award do Clio Awards, ele está afastado da publicidade há dez anos e é foco de dois livros que chegam ao mercado na próxima segunda (3). Quem esperar volumes autocentrados e laudatórios vai se decepcionar.
Ambos saem pela Afluente. “Vendo”, com texto de Julius Wiedemann, é uma biografia de Serpa, com pacote completo: carreira profissional, família, episódios engraçados e reflexões sobre a publicidade. Já “Vendo: Imagens”, organizado por Serpa em formato grande, o chamado “livro de arte”, é uma viagem visual ao longo de campanhas que estão na memória afetiva dos brasileiros, como a do Guaraná Antártica ou a que transformou a Havaianas numa marca mundial.
Em 2015, Serpa deixou a publicidade. Foi morar no Havaí, para ficar com a família, pegar onda e produzir arte visual. Mas a mudança pode ter começado a ser construída em 2013. “Eu tinha uma posição muito privilegiada. Estava no board criativo do Facebook, para troca de informações. Quando eles lançaram vídeos, eu percebi que tinha acabado aquela diversão de você ter uma mídia de massa, na qual você colocava no jornal ou na televisão e todo mundo via. Aquilo ali fragmentaria as mensagens, e cada um seria dono da sua”, conta Serpa.
Seria a transformação para um outro jeito de fazer propaganda, sem entrar no mérito de ser pior ou melhor, mas algo que não interessava a ele. Sua previsão se confirmou, num cenário que hoje é acelerado pela inteligência artificial. “A personalidade de cada um em seu trabalho vai diminuir. Na área de artes, de criação, a imagem autoral vai se diluir por causa da IA. Os novos artistas vão usá-la para criar coisas que não serão necessariamente só dele. Podem ser trabalhos maravilhosos, mas não são mais de uma pessoa só. Acho que aquele trabalho 100% humano vai deixar de existir.”
Fora da propaganda, então com 52 anos, Serpa quis fechar esse ciclo de alguma maneira. Começou a fazer um livro ainda em 2015, com suas campanhas. Conversando com o jornalista Paulo Lima, foi convencido de que deveria contar sua história pessoal. E eles passaram a fazer entrevistas. Quase oito anos depois, Wiedemann viu o material e decidiu transformá-lo na biografia. Ele e Serpa ficaram dois anos trabalhando no projeto, e o resultado é um relato com boa carga de entretenimento. Como a série “Mad Men”, prova que o ambiente das agências pode ser atraente até para quem não se relaciona com ele.
No processo, a ideia de separar tudo em dois volumes, divididos entre vivências e campanhas, pareceu inevitável. “A gente viu que se fizesse tudo junto não ia ser nem um livro sobre o meu trabalho nem um sobre a minha história. Ninguém lê um livro grandão com um monte de texto. Saiu assim. Um complementa o outro.”
Serpa admite que conta muitas coisas engraçadas. “Acho que muito disso é o talento do Julius. Desde o começo eu não queria fazer um livro que fosse a biografia de um publicitário. Falar que a propaganda é isso, que a propaganda é aquilo, esses são meus prêmios… Acho que isso não teria graça. Temos intimidade, então contava as histórias mais cabeludas. Tive a liberdade de colocar ali as coisas que deram errado e as que deram certo. É o que eu chamo no livro de ‘a coragem dos burros’, aqueles que não têm noção do que está acontecendo e vão fazendo. Eu fui contando e foi importante para mim, foi uma terapia.”
Serpa é um caso muito raro de um consagrado diretor de criação vindo do design. Aos 18 anos, ele foi para a Alemanha e passou anos por lá, estudando e trabalhando como designer. “Quando voltei ao Brasil, era um moleque com uma soberba alemã de quem aprendeu design puro. Cheguei aqui com toda aquela disciplina e coerência, e enfrentei a realidade brasileira, que é justamente o oposto disso.”
Seu retorno se deu numa época em que toda a propaganda no Brasil era basicamente texto. “Você tinha um redator brilhante. Os comerciais tinham atores falando para a câmera, com o produto na mão. Era essa a cultura publicitária brasileira. O diretor de arte era praticamente um cara de bom gosto que fazia aquilo ficar bonito. Quase um cenógrafo. Mas eu achava que esse cenógrafo poderia escrever a peça. E ela poderia ser visual. Eu comecei a trabalhar os conceitos visualmente. De certa maneira, a imagem quase substituindo o texto, ou o texto virando complemento da imagem.”
Para Serpa, isso não foi planejado. “Se fosse, eu seria um gênio. Eu fui fazendo e foi dando certo. E tem uma vantagem nisso. Se você criar um conceito visual, ele pode funcionar em qualquer língua. Quando você passa para outro idioma as piadas em português, elas perdem o efeito. E esse tipo de linguagem visual explodiu mundialmente, o Brasil ficou reconhecido como um lugar onde são criadas coisas divertidas que não precisam de tradutor.”
“Vendo: Imagens”, o “irmão” ilustrado da dupla de livros, é prova irrefutável.