O BC (Banco Central) resolveu adiar a criação de sua moeda digital e reduzir as funcionalidades em desenvolvimento da iniciativa Drex, que tinha a ambição de democratizar o acesso a serviços financeiros no Brasil operando ativos tokenizados e contratos inteligentes. Obstáculos tecnológicos e impasses relacionados à privacidade foram decisivos para a mudança de rota para 2026.
Segundo o coordenador do projeto, Fabio Araujo, a função de pagamento deixa de ser prioridade do Drex, que passará a focar em um serviço para facilitar o uso de garantias.
“A expressão moeda digital, de fato, não captura toda a extensão da iniciativa Drex, uma vez que remete a pagamentos, o que não é seu ponto central”, admite Araujo à Folha.
Dois anos atrás, no lançamento da iniciativa, a expectativa era que clientes pudessem fazer as primeiras operações com o real digital entre o fim de 2024 e o início de 2025 –o que não se concretizou. O avanço do sistema esbarrou em questões envolvendo privacidade, segurança e entraves na capacidade de atendimento em larga escala sem comprometer as operações.
Segundo Araujo, o BC tentou nos testes –sem sucesso– preservar a privacidade dos usuários e, ao mesmo tempo, garantir a operação integrada dos diversos serviços disponíveis na plataforma (o que é chamado de componibilidade).
“As soluções testadas até o momento, apesar de promissoras, ainda não apresentam nível de maturidade compatível com o que é requerido pelos serviços operados no sistema financeiro nacional”, afirma ele.
Na segunda fase do piloto Drex, que terminou em julho, o BC procurou trabalhar em casos de uso com potencial impacto sobre a vida cotidiana das pessoas, abrangendo temas como operações com imóveis, negociações de veículos e transações com ativos do agronegócio.
Foi testada a implementação de contratos inteligentes –documentos digitais programados por meio de tecnologia para serem executados automaticamente conforme as condições estabelecidas–, enquanto na primeira etapa deu-se maior ênfase à tecnologia em si.
Outros pontos de dificuldade citados por Araujo envolvem segurança e escalabilidade –capacidade de a infraestrutura crescer de forma eficiente sem comprometer a qualidade– das soluções testadas, que ainda necessitam de aperfeiçoamento.
“As questões tecnológicas constituem o principal obstáculo para o avanço da Iniciativa Drex. Associada a essas questões, há ainda a dificuldade em relação à atual escassez de recursos humanos nos quadros do BC”, acrescenta.
Os consórcios que participam do desenvolvimento do sistema foram informados nesta terça-feira (4) de que parte da infraestrutura DLT (tecnologia de registro distribuído) usada nos testes será desligada na próxima segunda-feira (10).
GARANTIAS
A próxima fase do piloto do Drex vai trazer como tema central os gravames –registros que sinalizam quando um ativo está atrelado a um financiamento na forma de garantia.
Gravame é um termo bastante usado no setor automotivo, com o objetivo de informar que um veículo está relacionado a um contrato. Na prática, um carro financiado não pode ser transferido para terceiros sem o conhecimento ou a autorização da instituição financeira.
O objetivo dessa nova etapa de trabalho é desenvolver um serviço de reconciliação de informações de gravames. Isso significa dar visibilidade a esse registro em diferentes ambientes de negociação (entidade registradora ou central depositária, por exemplo).
Hoje, como a visibilidade é reduzida, não é possível fatiar os direitos sobre um mesmo bem para servirem de garantia em diferentes operações.
Com a mudança em estudo, a partir do momento em que se tem segurança de que esse bem não está sendo totalmente utilizado como garantia em outras operações de crédito, a parte disponível dele (sem gravame) pode ser empregada em novos financiamentos.
Por exemplo, parte de uma carteira de títulos públicos pode ser apresentada a um banco para facilitar uma operação de capital de giro, já outra parcela dela pode ser dada como garantia em um financiamento para compra de equipamentos.
“Atualmente, cada ambiente de negociação registra os gravames dos ativos sob sua custódia e interoperam de maneira não sistemática com outros ambientes”, afirma Araujo. Segundo ele, com o novo serviço, “os gravames registrados em um ambiente de negociação seriam disponibilizados em qualquer outro ambiente”.
Questionado sobre o principal ganho com a entrada do Drex nesse tipo de serviço, o coordenador ressalta que ativos de diferentes classes –bancários, valores mobiliários ou virtuais– poderão ser facilmente utilizados como garantia em operações de crédito.
Ainda não há uma definição da tecnologia que será empregada nessa etapa do piloto do Drex, prevista para ter início no primeiro semestre de 2026. Devido à elevada incerteza que envolve o desenvolvimento do projeto, o BC evita estimar um prazo para disponibilizar esse novo serviço à população brasileira.