O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, admitiu no domingo (14/12) que a Ucrânia abriu mão da entrada do país na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em troca de garantias de segurança oferecidas por aliados ocidentais. A sinalização representa mais uma mudança relevante na posição de Kiev e ocorre em meio a novas tratativas de paz para tentar viabilizar um cessar-fogo na guerra com a Rússia.
Zelensky já havia adiantado a manobra dias antes. “Somos realistas. Queremos mesmo entrar na Otan, isso é justo. Mas sabemos com certeza que nem os EUA nem vários outros países veem a Ucrânia na aliança ainda. E a Rússia, claro, nunca nos verá lá”, afirmou as vésperas.
Já no domingo, o presidente ucraniano fez o anúncio de maneira “oficial”, afirmando que as garantias de segurança bilaterais — especialmente com os EUA — e compromissos semelhantes ao Artigo 5º da Otan poderiam funcionar como alternativa à adesão formal à aliança militar.
“Desde o início, o desejo da Ucrânia era entrar na Otan, essas são garantias reais de segurança. Alguns parceiros dos EUA e da Europa não apoiaram essa direção”, afirmou em resposta a jornalistas por meio de um chat no WhatsApp. “Assim, garantias bilaterais de segurança entre a Ucrânia e os EUA, garantias semelhantes ao Artigo 5º para nós por parte dos EUA, e garantias de segurança de colegas europeus, bem como de outros países — Canadá, Japão — são uma oportunidade de evitar uma nova invasão russa”, acrescentou.
Segundo ele, essas garantias precisam ser juridicamente vinculantes.
Ao Metrópoles, a coordenadora do curso de Relações Internacionais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio, Fernanda Brandão, a mudança de discurso de Zelensky não representa uma renúncia completa às suas demandas centrais, mas sim uma adaptação tática diante do cenário internacional. O movimento busca preservar a soberania ucraniana diante da diminuição do apoio incondicional dos Estados Unidos.
“É importante ressaltar que a proposição de Zelensky de abrir mão da Otan vem acompanhada da exigência de que isso seja feito mediante compromissos que garantam a segurança da Ucrânia”, afirma. Segundo ela, o foco do presidente ucraniano não é a aliança em si, mas a proteção contra novas agressões russas.
“Ao retirar a Otan da mesa, o objetivo é mostrar disposição em negociar, atendendo uma das demandas russas, sem sacrificar a sobrevivência do país.”
A pressão de Donald Trump, tem pesado sobre Kiev. “Está cada vez mais claro para Zelensky que os EUA não darão apoio incondicional à Ucrânia em caso de continuidade da guerra. A mudança de estratégia tenta mostrar disposição para negociar termos aceitáveis para as partes, mas sem comprometer a soberania ucraniana”, diz.
O gesto também dialoga com interesses europeus. Em meio a questionamentos internos sobre o futuro da Otan e ao receio de um avanço russo no continente, a alteração de estratégia tende a estimular compromissos mais consistentes e direcionados à segurança da Ucrânia.
Até 90% dos pontos encaminhados
- A imprensa internacional afirma que autoridades norte-americanas demonstraram otimismo, indicando que até 90% dos pontos das negociações já teriam sido encaminhados, embora temas sensíveis ainda permaneçam sem consenso.
- Enquanto as negociações avançam, ataques russos e tentativas de respostas ucranianas continuam a todo vapor.
- Zelensky afirma que centenas de milhares de pessoas seguem sem eletricidade e acusa Moscou de prolongar o conflito para causar o máximo de dano possível à população civil.
- O Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) declarou ter atingido um submarino russo no porto de Novorossiysk, no Mar Negro, em uma operação inédita com o uso de drones subaquáticos. Segundo o órgão, a explosão causou danos críticos à embarcação, que teria ficado efetivamente fora de ação.
Um aceno de Zelensky ao Kremlin
O gesto atende a uma das principais exigências do Kremlin. Moscou afirma há anos que a aproximação da Ucrânia com a Otan é uma ameaça direta à sua segurança e condição central para qualquer avanço nas negociações de paz.
O presidente russo, Vladimir Putin, exige que Kiev renuncie formalmente à adesão à aliança e defende que o país adote um status de neutralidade permanente.
Apesar da eventual concessão no campo militar, Zelensky tem reiterado que não aceita cessões territoriais. A Rússia exige que a Ucrânia retire tropas de áreas do Donbass que ainda controla, mas Kiev rejeita abrir mão de territórios ocupados desde a invasão em larga escala iniciada em 2022.

As discussões ocorrem em um momento considerado decisivo. Em Bruxelas, líderes europeus buscam uma solução para financiar a Ucrânia nos próximos dois anos.
Enquanto isso, a União Europeia aprovou recentemente, apesar da oposição da Hungria e da Eslováquia, a manutenção indefinida de ativos russos congelados, que devem servir de base para empréstimos e reparações ao país invadido.
Em Berlim, Zelensky afirmou que Ucrânia, Estados Unidos e aliados europeus analisam um plano de 20 pontos que, ao final, prevê um cessar-fogo ao longo das atuais linhas de frente. “Ainda temos posições diferentes”, reconheceu o presidente ucraniano, ao comentar o impasse territorial, mas destacou a disposição das partes em buscar um acordo.
Ele negou sofrer pressão direta de Washington e disse que a maior pressão vem de Moscou.