Se você andava procurando um filminho para este fim de semana, bem depressivo e arrastado, em que todo mundo é infeliz e no qual, ainda por cima, o protagonista é um boy lixo que dá ghosting na namorada, você achou.
É “Springsteen: Salve-Me do Desconhecido”, uma cinebiografia do astro americano Bruce Springsteen que estreou na última quinta (30) em São Paulo. Atores e produção são de primeira linha, é claro, mas fora isso, não resta muito de pé ao final das duas horas no cinema.
Eis algumas frases pinçadas de um dos trailers: “É difícil perceber que as pessoas não são quem você quer que sejam” ou “A sensação de voltar para casa é diferente… Um vazio real”.
“Acho que Bruce tem medo do que está por vir e se sente culpado por deixar para trás o mundo que conhece” e ainda “Assim como eu, que estou sempre fugindo de alguma coisa… Como se o passado estivesse me perseguindo”.
É depressão pura. Ninguém espera, afinal, que um filme sobre Springsteen seja estrelado por The Rock nem que traga explosões de adrenalina como em “Velozes e Furiosos”. Mas convenhamos que é difícil salvar “Salve-Me do Desconhecido”.
Impossível não lembrar da cinebiografia musical de Bob Dylan, lançada no ano passado, também distribuída pela Disney, cujo título nacional, veja bem, é “Um Completo Desconhecido”. Os dois títulos são retirados de versos de canções dos artistas.
São diversas semelhanças entre as duas produções, como a “transformação” de um jovem ator em um músico –ali, Timothée Chalamet, de “Duna”; aqui, Jeremy Allen White, de “O Urso”–, sendo que ambos surpreendem ao tocar e cantar versões bem parecidas com as originais. No caso de White, ele aprendeu a tocar guitarra para o papel.
Os dois filmes também foram baseados em livros que trazem um recorte da vida dos astros e têm diretores já respeitados por filmes musicais –lá, James Mangold, de “Johnny & June”; aqui, Scott Cooper, de “Coração Louco”.
Esse recorte da vida de The Boss (o chefe; apelido dele nos Estados Unidos) está bem claro no título do livro original de Warren Zanes, “Deliver Me from Nowhere: The Making of Bruce Springsteen’s ‘Nebraska'” (livrai-me do lugar nenhum: a criação de “Nebraska”, de Bruce Springsteen). Sendo “Nebraska” o título de seu sexto álbum, lançado em 1982.
O filme se passa no período de um ano e começa em 14 de setembro de 1981, com Bruce no palco, tocando os últimos acordes do último show da turnê de seu quinto disco, o LP duplo “The River”.
Esse havia sido seu primeiro álbum a alcançar o primeiro lugar na parada Billboard, consolidando um sucesso nacional que havia começado cinco anos antes, com “Born to Run”.
Springsteen, portanto, está no auge. O drama retratado no filme é o seguinte: em vez de aproveitar o momento para fazer mais um disco de sucesso, ele entra no casulo, compõe uma série de canções sombrias e grava um disco sem qualidade sonora, sem baixo, bateria ou banda. Em vez disso, apenas ele, o violão acústico e a gaita.
No meio disso, ele se envolve com Faye Romano, uma mãe solteira, irmã de um amigo da época da escola, que trabalha como garçonete. Bruce se dá bem inclusive com a filha da moça, mas isso não o impede de sumir sem dar aviso, não retornar telefonemas e finge que não está quando ela grava mensagens na secretária eletrônica.
Faye não existe na vida real. Talvez só por isso Bruce ou o filme não tenham sido cancelados até o momento. A personagem foi criada em cima de uma série de namoradas que o artista teve naquela época, inclusive a modelo e atriz Joyce Hyser, com quem teve um relacionamento de cinco anos, entre 1978 e 1982.
“Salve-Me do Desconhecido” não consegue escapar da cartilha redenção ou do final feliz obrigatório de qualquer filme produzido em Hollywood. Tipo: “Após ‘Nebraska’, Bruce lançou ‘Born in the USA’ e finalmente virou uma estrela mundial”.
Ao final, é de se pensar por que resolveram fazer um filme sobre um período tão para baixo da vida de um roqueiro e não sobre os momentos mais empolgantes que o artista atingiu na carreira.