O anúncio de uma vaga de auxiliar de cozinha publicado pela influenciadora e empresária Isa Scherer, dona da marca de doces Scherbi’s, provocou forte reação nas redes sociais.
O valor é equivalente ao piso da categoria em São Paulo na época do anúncio, em maio deste ano (hoje, está em R$ 1.804).
Após a divulgação da vaga, internautas recuperaram publicações em que Isa mostrava itens de luxo, como um carro de R$ 300 mil e uma bolsa Hermès de R$ 100 mil, e levantaram um debate sobre a valorização dos profissionais de cozinha.
A empresária foi procurada pela Folha nesta quarta-feira (5), via assessoria de imprensa, mas não respondeu. Em pronunciamento feito nas redes sociais, ela afirmou que a empresa segue a legislação trabalhista e as normas coletivas de cada categoria e que melhorou a estrutura desde o início do ano.
“Como empreendedora, estou comprometida em evoluir de forma responsável, valorizando cada pessoa que faça parte do meu time, e mantendo uma relação justa e transparente”, disse.
O episódio expôs uma questão em debate no setor: restaurantes relatam que têm dificuldade para encontrar e manter funcionários de base, mesmo oferecendo remunerações compatíveis com o mercado e, em alguns casos, benefícios adicionais.
Segundo dados e relatos de entidades como Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) e ANR (Associação Nacional de Restaurantes), a falta de mão de obra é um dos maiores desafios do setor.
A escassez é mais sentida em cargos operacionais —como auxiliares de cozinha e atendentes— e se agravou após a pandemia, quando muitos profissionais migraram para outras áreas, como aplicativos de entrega.
Um levantamento feito pela Abrasel indica que, em São Paulo, há cerca de 7.000 vagas abertas em bares e restaurantes, número que, segundo a associação, evidencia o descompasso entre a alta demanda e a falta de profissionais disponíveis.
Entre as funções mais procuradas estão auxiliares de cozinha (70% dos entrevistados estão em busca desses profissionais), garçons (54%), atendentes (48%) e cozinheiros (42%).
Joaquim Saraiva, líder executivo da Abrasel-SP, explica que o cargo de auxiliar de cozinha, que envolve o caso de Isa Scherer, costuma ser uma posição de entrada, geralmente ocupada por pessoas sem qualificação prévia.
Segundo ele, esses trabalhadores aprendem as funções no próprio dia a dia do restaurante e, com o tempo, podem progredir na carreira, passando de auxiliar a cozinheiro e, depois, a chef.
Por se tratar de uma função inicial, o valor de R$ 1.800 representa um salário base, afirma Saraiva.
O SindiRefeições-SP, que conta com piso normativo para cozinha industrial de R$ 1.933,20 e representa os trabalhadores de cozinhas industriais, explica que o salário e a estrutura das equipes variam conforme o porte e a demanda do cliente atendido. Nessas operações, o número de refeições e o cardápio determinam a logística de trabalho e a quantidade de profissionais.
O sindicato ressalta, no entanto, que sua atuação se restringe a refeitórios de empresas, escolas e hospitais, e não inclui restaurantes comerciais.
A dificuldade de contratação, porém, não é exclusividade das cozinhas. Segundo Iasmin Freitas, coordenadora jurídica da ANR, o problema se repete em outros segmentos do varejo, que também enfrentam escassez de candidatos. Um dos principais desafios, diz ela, é justamente atrair a nova geração de trabalhadores, mais interessada em modelos com liberdade de horário e autonomia.
Iasmin diz ainda que, embora a qualificação ainda seja um ponto de atenção, muitas empresas já incorporam o treinamento no custo de contratação, considerando que o profissional vai se desenvolver dentro da própria operação.
Sobre as críticas ao valor pago por Scherer, ela diz considerar a reação legítima, mas afirma que é preciso esclarecer o público sobre a composição de custos de um restaurante, que vai além dos salários e envolve também custo de operação, insumos e tributos.
RESTAURANTES BUSCAM ALTERNATIVAS
Para Caroline Nogueira, CEO da Premium Essential Kitchen, empresa de alimentação corporativa com mais de 200 unidades, o salário de R$ 1.800, embora possa parecer insuficiente diante do custo de vida atual, corresponde ao piso previsto na convenção coletiva da categoria. Ela diz que o cenário de contratação é cada vez mais desafiador, marcado por forte pressão comercial, que limita reajustes, e por alta rotatividade.
“Não é só difícil contratar, mas também reter. A fidelização dos colaboradores é um problema crescente no setor”, afirma.
Para enfrentar essa escassez, a sua empresa tem apostado em estratégias criativas de recrutamento. Ela explica que a empresa leva, por exemplo, profissionais de RH (recursos humanos) para as ruas, em regiões com maior dificuldade de contratação, para realizar mutirões de divulgação de vagas.
Em algumas ações, ela também já utilizou carros de som e outros canais acessíveis de divulgação, como o WhatsApp, para alcançar um público mais amplo.
Segundo Caroline, por meio desses canais, ela realizou entre 30% e 50% das contratações recentes. Ela também afirma que a faixa etária entre 45 e 59 anos é a mais fiel dentro da empresa, o que reforça a mudança no modelo de trabalho buscado pelos mais jovens.
Para ela, a discussão sobre a falta de mão de obra precisa ser mais profunda e envolver todo o setor. É necessário, segundo Caroline, valorizar mais esses profissionais, já que ainda existe um estigma que desvaloriza as funções de base e afasta pessoas que poderiam ingressar e crescer nesse mercado.