Há quatro anos, o Rio Grande do Sul implantou um programa de devolução de impostos para pessoas de baixa renda, algo inédito no Brasil, que alcançou no mês passado a marca de R$ 1 bilhão devolvidos para as famílias gaúchas nesse período. A iniciativa serviu de referência para o mecanismo de “cashback” previsto na reforma tributária e ajudou a reduzir distorções que oneram as pessoas mais pobres, segundo o governador Eduardo Leite (PSD-RS).
A devolução do imposto para a baixa renda parte da ideia de que as desonerações por tipo de produto nem sempre chegam ao consumidor e, além disso, beneficiam mais as pessoas de maior renda em termos absolutos. “A lógica é muito clara. Em vez de você desonerar o item, você beneficia as pessoas que realmente precisam.”, afirma o governador em entrevista à Folha.
O Devolve ICMS prevê o pagamento fixo de R$ 100 por trimestre às famílias do estado que estão no Cadastro Único que é referência para programas sociais, como o Bolsa Família. Os beneficiados que solicitam notas fiscais recebem também um complemento que varia de acordo com seus gastos no período e pode chegar a mais R$ 54. Mulheres são responsáveis por mais de 80% desses lares.
Os repasses são realizados por meio de um cartão de compras. A maior parte dos valores (80%) é utilizada na aquisição de alimentos, segundo o governador.
Ele explica que o ICMS é um imposto regressivo, ou seja, onera mais as pessoas de menor renda.
“O imposto pago sobre uma garrafa d’água ou outro item tem muito mais peso na renda de uma pessoa com um salário mínimo do que na de alguém que ganha dez salários mínimos. Para corrigir essa característica de regressividade entendemos que era possível criar uma ferramenta de cashback, entregando um cartão de compras na mão de cada uma das famílias do Cadastro Único no estado”, afirma Leite.
O programa já alcançou mais de 1 milhão de famílias gaúchas. Segundo o governo, beneficia sobretudo aquelas com renda de até um salário-mínimo, que representam 95% dos contemplados.
O governador afirma que, por se tratar de uma ação inovadora no país, havia um questionamento sobre se o estado seria capaz de fazer com que o benefício chegasse nas mãos das famílias mais pobres. Para ele, os grandes números do programa mostram que essa é uma política bem-sucedida e que será mantida até a extinção do ICMS, prevista na reforma tributária, quando haverá um programa nacional de devolução dos novos tributos.
CASHBACK NA REFORMA TRIBUTÁRIA
A primeira lei que regulamenta a reforma tributária tem um capítulo dedicado à “devolução personalizada” dos tributos que começam a ser cobrados em 2027, também registrada no texto legal como “cashback”.
Ainda não está definido como será feito esse pagamento, mas a legislação já diz que serão beneficiadas as famílias do CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal), que conta atualmente com 95 milhões de pessoas, com renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo.
Haverá devolução de 100% da CBS (contribuição federal) e pelo menos 20% do IBS (imposto de estados e municípios) para gás de botijão e canalizado, energia elétrica, serviços de saneamento e de telecomunicações.
Para os demais bens e serviços, serão devolvidos pelo menos 20% dos dois tributos —cada governo pode fixar percentuais superiores a esses. A devolução da CBS começa em janeiro de 2027. Para o IBS, em janeiro de 2029.
COMO O DINHEIRO É DEVOLVIDO
A devolução pode ser feita em tempo real, com o contribuinte se identificando com o número do CPF ou utilizando um cartão de benefício social. Pode ser pago antecipadamente, como um complemento no Bolsa Família, por exemplo. Outra possibilidade é devolver posteriormente, como uma espécie de Nota Fiscal Paulista (SP) ou Nota Legal (DF).
O RS combina os dois últimos mecanismos: pagamento antecipado fixo e complemento posterior com base na Nota Fiscal Gaúcha.
QUAIS PAÍSES JÁ ADOTAM O MODELO
Nas Américas, destacam-se as experiências na Argentina, Uruguai, Bolívia, Colômbia e Equador. Há também programas em algumas províncias do Canadá (que se somam à devolução na esfera federal). Fora da região, outro programa de referência é o japonês.
A ideia de devolução de impostos sobre o consumo para pessoas de baixa renda foi apresentada pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) há mais de dez anos.
Ela parte da conclusão de que o sistema adotado por vários países ao longo do século passado —de dar benefícios tributários para determinados produtos— beneficiou principalmente a parcela mais rica da população, e não os mais pobres. Por isso, muitas economias optam agora por mecanismos de tributação personalizada: o imposto depende de quem consome e não do produto.