'Bloquinho' se populariza e renova o pagode baiano - 04/11/2025 - Ilustrada

‘Bloquinho’ se populariza e renova o pagode baiano – 04/11/2025 – Ilustrada

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No Carnaval deste ano, quando o Brasil inteiro se divertia, a Bahia já sabia: “Resenha do Arrocha”, de J. Eskine, representava um jeito de fazer música muito popular. Estavam ali o escracho de duplo sentido, o pot-pourri, as faixas de longa duração, elementos tradicionais do cancioneiro brasileiro que, no caso, surgiam juntos numa mistura à baiana —receita que ajudou a fazer da canção um dos maiores sucessos do ano.

Na Bahia, essa forma de composição é conhecida como “bloquinho”. “A gente junta várias composições, umas cinco músicas, e canto parte delas e o refrão —não é uma única música solta: é uma música com várias músicas em cima de um único suíngue, uma viola, uma percussão.” Quem explica é Oh Polêmico, cantor de pagodão e autor de músicas como “Bloco dos Amigos”.

A faixa com cerca de seis minutos e um punhado de trechos de outras canções é de 2022, mas 2025 é o ano em que a prática do bloquinho decolou. Segundo um levantamento feito pela reportagem, o Spotify tem cerca de 700 faixas com o termo “bloquinho” ou derivados no título. Pouco menos da metade foi lançada em 2025, 52 somente no mês de agosto —os números dão um panorama atual do pagodão com artistas já de olho no Carnaval de 2026.

A técnica soa contraproducente à primeira escuta. Segundo a plataforma de análise de dados de streaming Chartmetric, a média de duração das músicas no Spotify em 2024 foi de três minutos, uma tendência global. Além disso, o bloquinho quebra a estrutura tradicional da canção que repete uma vez estrofe, pré-refrão e refrão. As mudanças de tempo e forma, contudo, fazem sentido no pagode baiano.

Para Oh Polêmico, a popularidade dos bloquinhos vem de uma busca por visibilidade da nova geração de cantores de pagodão: ao juntar várias músicas de sucesso em uma única canção, as chances de cair no gosto do público aumentam. “E a galera do paredão curte bastante também, eles preferem mais bloquinhos a músicas soltas”, lembra o artista, referindo-se às festas de rua centradas em sistemas de som automotivo.

Há também uma questão de acesso, já que há bloquinhos que reutilizam bases instrumentais feitas para esse fim —o “hitmado”, termo igualmente usado como sinônimo para bloquinho. Nome em ascensão no momento, o cantor Rei dos Faixas se tornou conhecido por conta de bloquinhos como “Hit dos Paredões”. “O pagodão não é feito apenas com instrumentos eletrônicos, como o funk”, explica a DJ e dançarina Cris Masca. “Quando você encontra um beat pronto, é muito mais fácil de fazer uma música.”

Prolongamento moderno das várias manifestações do samba na Bahia, gestado entre festas de samba junino e práticas afro-brasileiras como samba chula e samba duro, o pagodão é há ao menos 20 anos a música popular por excelência de cidades como Salvador. Nos últimos anos, o gênero se imbricou com letras do funk, de onde nasceu o pagofunk, e reduziu a presença das letras em favor de trechos percussivos que dão protagonismo à dança, dando origem ao naipe.

“O naipe construiu esse lugar de movimento, então houve essa febre de batalhas de naipe, duelos de dança com letras que não falavam nada de mais”, explica Joyce Melo, cofundadora da plataforma Pagode por Elas. “O bloquinho consegue unir essa fala sobre sexualidade do pagofunk e a brincadeira que o naipe trouxe, ele une características dentro dessa cronologia do pagodão.”

A onda dos bloquinhos também tem colaborado para a ascensão de novas cantoras de pagodão. Historicamente dominado por vozes masculinas, como Igor Kannário e Edcity, o gênero tem algumas cantoras entre seus nomes fortes, caso de A Dama e Rai Ferreira. Com os bloquinhos, porém, mais mulheres têm surgido nos microfones. Na música “Bloquinho 7 Pecados”, por exemplo, elas são sete.

“Todos os pagodes que estouraram ultimamente têm vozes femininas: em Salvador, em qualquer esquina hoje vai tocar um bloquinho cantado por uma mulher”, afirma Beatriz Almeida, também cofundadora da Pagode por Elas. “Estamos esperançosas com esse momento, mas também preocupadas, porque o pagode ainda não se reinventou: temos bandas que são comandadas por homens, empresários homens, enfim.”

O aspecto legal também é preocupante para alguns. Há quem use letras e bases instrumentais de outros artistas ao criar um bloquinho. Apropriações desse tipo não são incomuns na música brasileira, cheia de versões e empréstimos sonoros, mas podem implicar embates sob leis de direito autoral. “Acho que muitos preferem resolver à medida em que as questões vão surgindo”, diz Almeida.

A DJ e dançarina Cris Masca adiciona uma questão de ordem financeira e subjetiva. “Existe uma falta de investimento no pagode e muitos empresários não entendem sobre identidade”, diz ela. “Acho que o artista precisa criar uma identidade. Artistas como O Kanalha, por exemplo, conseguiram crescer graças a isso: quando ele começa a tocar, já identificam quem é.”

Para Joyce Melo, do Pagode por Elas, o bloquinho é sinal de que o pagode baiano segue mais vivo do que nunca. “Esse é um gênero que movimenta, que faz Salvador vibrar, que faz o Carnaval pular”, diz ela. “Temos esse olhar de que é um processo, algo em transformação, que tem novas personalidades e uma nova geração.”

Oh Polêmico rebate a ideia de que essa colcha de retalhos em forma de música refletiria uma falta de criatividade da leva atual de artistas do pagode. “Quando a gente lança um bloquinho com nossas músicas e essas músicas ganham o mundo, teve criatividade”, diz ele, que lançou em outubro uma parceria com J. Eskine —”É Blog”, uma mistura de arrocha e pagodão que, sabe-se lá, um dia pode virar bloquinho.



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