Entre as montanhas de bambu do condado de Anji, na província de Zhejiang, no leste da China, o vento sopra leve, os jovens empreendem e os prédios novos são abastecidos totalmente por energia solar.
No coração desse cenário, a vila Yucun é considerada um modelo de desenvolvimento sustentável e ecológico. No passado, foi marcada pela mineração e pelas fábricas de cimento, mas há cerca de 20 anos iniciou um amplo processo de revitalização ambiental.
Yucun abriga o primeiro projeto de “vila carbono zero” da China, com construções totalmente alimentadas por energia solar a fim de neutralizar as emissões de carbono. As antigas áreas de mineração foram transformadas em espaços turísticos e comerciais, conectando sustentabilidade e desenvolvimento local.
A história de Yucun poderia ser apenas mais uma entre tantas iniciativas de revitalização do meio ambiente. Mas ela ocupa um lugar singular: é o símbolo da chamada “Civilização Ecológica”, conceito que traduz a ambição do governo em equilibrar crescimento econômico e proteção ambiental. Foi em Yucun que, em 2005, Xi Jinping —então secretário provincial de Zhejiang— endossou publicamente a ideia de que proteger o meio ambiente significava, também, criar riqueza.
Essa mudança de perspectiva, no entanto, não veio sem rupturas. Nas décadas de 1980 e 1990, Yucun prosperava com a mineração e as fábricas de cimento, gerando cerca de 3 milhões de yuans por ano. A riqueza foi rápida, mas o ar cinzento, os rios contaminados e o desmatamento logo cobraram seu preço, e a economia baseada em mineração se tornou insustentável.
Diante dessa emergência, os moradores da vila e o governo tomaram uma decisão arriscada: fecharam as minas no início dos anos 2000 —medida que resultou na perda de 95% da renda coletiva e de 70% dos empregos. Sem alternativa, a vila foi obrigada a repensar seu futuro.
O que surgiu a partir daí foi menos um milagre e mais um experimento de reconstrução: transformar as ruínas industriais em espaços culturais e de comércio, criando oportunidades para negócios verdes e sustentando a economia local por meio de um turismo ecológico planejado, seguindo diretrizes do governo que passaram a exigir que os novos modelos de negócios fossem ambientalmente sustentáveis.
Nos anos seguintes, Yucun investiu pesado em infraestrutura de baixo carbono, como painéis solares, veículos elétricos e sistemas avançados de armazenamento de energia —que reduzem a dependência de combustíveis fósseis. O objetivo é garantir o abastecimento contínuo e reduzir as emissões, o que levou a comunidade a ser reconhecida como a primeira vila “carbono zero” da China.
EMPREENDER PARA SUSTENTAR
Para evitar o esvaziamento e atrair novos moradores, o governo local criou o programa “Parceiros Globais de Yucun”, que oferece subsídios proporcionais ao nível de escolaridade e apoio a jovens empreendedores dispostos a se estabelecer na vila e desenvolver seus próprios negócios. As propostas passam pela avaliação de um comitê local, responsável por garantir que os projetos estejam alinhados ao desenvolvimento ecológico e, ao mesmo tempo, capazes de gerar renda e empregos —um equilíbrio delicado que faz de Yucun tanto uma vitrine quanto um campo de testes das políticas verdes nacionais.
Entre os exemplos de sucesso está Yu Jiahui, conhecida como Iukoi, nascida em Yucun em 1997. Depois de trabalhar fora por alguns anos, ela decidiu retornar à vila ao ver a transformação em curso. Com o apoio da família, ela abriu a fazenda ecológica “Yu Yu”, dedicada ao turismo rural e à educação ambiental. O espaço, construído em um terreno antes ocioso, reúne atividades como cultivo de chá branco, alimentação de animais e oficinas, um modelo que integra agricultura, lazer e aprendizado.
“Há jovens por toda parte, e novas ideias surgem o tempo todo”, diz Jiahui. “É inspirador ver a vila se reinventar. Aqui posso viver perto da natureza e, ao mesmo tempo, criar algo com propósito.”
Outra história que ilustra essa nova fase é a de Yaya Zhang Jia, uma nômade digital que decidiu se estabelecer em Yucun e abrir seu próprio brechó de moda circular. “Yucun me permitiu viver uma dupla experiência: ter qualidade de vida, perto da natureza, e desenvolver meu negócio”, conta. “Meu brechó trabalha dentro de um modelo circular. Tenho liberdade para organizar meu tempo e, quando termino o trabalho, posso caminhar, apreciar o vasto gramado e praticar esportes. A vida parece mais inteira.”
QUANDO A ENERGIA ABASTECE O PROGRESSO
Para consolidar sua posição como laboratório da “civilização ecológica”, Yucun também abriga um Centro de Inovação em Transição Energética e Desenvolvimento Verde, hub de demonstração, teste e pesquisa de tecnologias de baixo carbono. O objetivo é sistematizar o “know-how” da vila para que seu modelo possa ser replicado em outras regiões, acelerando a transição energética nacional e contribuindo para as metas de baixo carbono do país.
O caso de Yucun materializa um dos caminhos escolhidos pela China para tentar cumprir seus compromissos climáticos internacionais, incluindo as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) do Acordo de Paris, com meta de pico de emissões até 2030 e neutralidade de carbono até 2060. A vila funciona como um experimento de transição verde, com investimentos em fontes renováveis e na popularização de Veículos de Nova Energia (NEV), como carros e motos elétricas, já presentes na mobilidade urbana local.
Às vésperas da COP 30, a trajetória de Yucun revela mais do que um caso isolado: evidencia a tentativa chinesa de conciliar crescimento econômico e responsabilidade ambiental —uma equação repleta de tensões.
A frase gravada em pedra à entrada da vila, “Águas límpidas e montanhas verdejantes são tão valiosas quanto montes de ouro e prata”, sintetiza tanto uma aspiração quanto um desafio permanente: mostrar que a transição ecológica pode caminhar lado a lado com o desenvolvimento econômico.