É a minha primeira vez na maior feira de livros do mundo, em Frankfurt, e apenas eu parecia estar surpresa com o espaço brasileiro no evento.
Colegas do mercado editorial, veteranos no encontro, tiveram mais edições para processar os estágios de sentimentos em relação à representação internacional do Brasil: contrariedade, indignação, constrangimento, tristeza. Agora expressavam um conformismo silencioso. “Todo ano é assim.”
Eu ainda sustentava o choque. Diferente de uma Bienal do Livro, orientada a um público geral, a feira na Alemanha tem relevância por ser o ponto de encontro de profissionais do setor, onde a negociação de direitos de livros acontece. Em 2024, recebeu cerca de 115 mil profissionais de 153 países e, além do Brasil, 60 países montaram estandes agrupando editoras.
Frankfurt funciona como um termômetro para o mercado editorial, não muito diferente de como uma Bolsa de Valores indica movimentos do mercado financeiro.
Meu desconforto com o estande brasileiro residia na ausência de um posicionamento de marca que representasse o nosso mercado. A presença brasileira apresentava uma inconsistência de identidade visual, com escolha de tipografias genéricas, paleta de cores apagada, iconografia simplória e escassez de materiais de apoio.
Enquanto outros países ostentavam belos catálogos impressos e exibiam com orgulho uma curadoria de obras diversas e premiadas, o estande brasileiro tinha um QR code impresso na fachada (linkando para PDFs dos catálogos) e exemplares impressos da revista Drummond, cuja presença achei inexplicável.
Sobretudo, constatei a falta de uma agenda, seja de programação ou de narrativa coesa do país e da instituição Brazilian Publishers, responsável pela presença brasileira em Frankfurt. Que história estava sendo contada sobre a literatura brasileira?
Vi países menos representativos, com menos espaço e recursos, conseguindo trazer uma narrativa com mais convicção e consistência. Apenas para ficar em alguns exemplos: havia a Estônia com um mural de imagens destacando suas autoras contemporâneas, Letônia e seu manifesto da introversão (“a literatura é o mundo perfeito para introvertidos”) e Taiwan, que estampou um mapa ricamente ilustrado de sua pequena ilha.
Assim como o posicionamento de uma marca deve refletir a estratégia de negócios, esses contrastes me fizeram suspeitar que o tímido estande brasileiro não era apenas um desleixo de comunicação, mas a ponta do iceberg de uma longa cadeia de negligência e de oportunidades perdidas.
O conjunto da obra expunha o Brasil como figurante e revelava um descuido com uma narrativa de marca que não fazia jus nem ao vibrante design brasileiro nem à riqueza da nossa literatura.
Considerando que já fomos o país convidado de honra por duas vezes, a última em 2013, esperava que tivéssemos aproveitado essas oportunidades para evoluir. Não imaginava mais um 7 a 1.
A CBL não divulga números do investimento em feiras internacionais no seu relatório anual de gestão, que é superficial na transparência de dados, mas a julgar pelo tamanho do espaço de exposição do Brasil e relevância das entidades apoiadoras, não era a falta de recursos financeiros a culpada.
Com uma estratégia mais cuidadosa da organização, os negócios internacionais das editoras brasileiras poderiam ser alavancados, beneficiando não apenas as casas, mas os milhares de empregos diretos e indiretos da cadeia do livro, atraindo investimentos e incentivando mais leitores.
Entretanto, eu enxergava uma profunda desconexão entre leitores, livreiros, autores e editores brasileiros e a classe organizadora do mundo dos livros no país.
Para dar um exemplo, a Publication Industry Promotion Agency of Korea, vinculada ao Ministério da Cultura, Esportes e Turismo da Coreia do Sul, além de coordenar a presença da Coreia em feiras internacionais como a de Frankfurt, financia traduções de livros para outras línguas, oferece bolsas para profissionais de editoras e compradores internacionais conhecerem feiras locais e apoia um plano de modernização da infraestrutura do setor.
É um modelo de política coordenada entre governo, associações de editores, agências de promoção cultural, editoras privadas e autores, que, pelos resultados colhidos, vem sendo copiado por vizinhos como Tailândia, Filipinas e Taiwan.
Com o sucesso dos livros de ficção de cura escritos por autoras coreanas e com o Nobel de Literatura de Han Kang, embalados pela onda de popularidade do k‑pop, k‑drama e afins, a Coreia passou de país que ia à Feira de Frankfurt importar títulos para se tornar um país exportador de direitos. É um círculo virtuoso do ecossistema literário que beneficia a todos.
Os números do mercado coreano falam por si: o último relatório setorial de 2024 da Korean Publishers Association revela que 71 grandes editoras somaram um faturamento de US$ 3,43 bilhões. Enquanto isso, segundo a Câmara Brasileira do Livro, o mercado editorial brasileiro registrou faturamento, convertido a dólares, de cerca de US$ 807 milhões. Ou seja, todo o mercado editorial brasileiro representa um quarto do faturamento de 71 editoras coreanas, de um total de 5.911 que publicaram livros em 2024.
Se o mercado editorial brasileiro apresenta queda em faturamento, o foco em negócios internacionais das editoras poderia ser uma alavanca para retomar o ciclo de crescimento. Para isso, retorno mais uma vez à necessidade de planejamento estratégico conectada ao mercado consumidor brasileiro e aos publicadores de livros.
Enquanto o pavilhão coreano dá protagonismo a webtoons, infantojuvenis e ficção de cura, categorias de maior popularidade e interesse do país, o estande brasileiro era um irregular mosaico de editoras.
Além disso, qual o intercâmbio que a organização brasileira faz para impulsionar parcerias com outros países? Não vi movimentação nem com países da América Latina ou com países fora do eixo EUA-Europa, que poderiam ter interesse nessa troca.
O site da Brazilian Publishers diz oferecer bolsas de financiamento para tradução de obras brasileiras, mas é vago: há apenas um endereço de email para o qual enviar uma solicitação, sem mais explicações.
Em programas internacionais similares, os cronogramas detalham prazos de submissão de pedidos, datas dos anúncios e valores ofertados, com regras de elegibilidade, de maneira bastante didática.
Sabendo da crise que enfrentamos, seria fundamental que a CBL não medisse esforços em alavancar o mercado editorial a partir da internacionalização da literatura brasileira. Uma que não apenas se baseasse na sua presença anual em feiras, mas envolvesse um plano focado, em sintonia com o mercado local.
Assim como no modelo coreano, temos a oportunidade de surfar no nosso soft power cultural e levá-lo para os livros. O hype internacional em torno de Clarice Lispector e Machado de Assis demonstra um claro potencial de demanda reprimida.
Não apenas editoras, livrarias, autores, tradutores, revisores, ilustradores se beneficiam, mas leitores internacionais e brasileiros agradecem.