Ações dos Estados Unidos bateram o 36º recorde do ano na tarde de terça-feira (28), mas o gestor de portfólio Jacob Sonnenberg não estava no clima para celebrar.
Impulsionado por enormes empresas de tecnologia do Vale do Silício ligadas ao boom da inteligência artificial, o S&P 500 encerrou a sessão no positivo. Mas isso ocorreu apesar do fato de que 397 ações perderam terreno.
Em 35 anos, o índice de blue-chips nunca registrou um ganho em um dia em que tantos de seus componentes sofreram quedas, de acordo com o Bespoke Investment Group.
“Eu entendo que a Nvidia está cuspindo muito dinheiro, eu compreendo isso. Mas ainda é profundamente preocupante o quão concentrado esse mercado está se tornando”, diz Sonnenburg, que foca em ações de tecnologia para o grupo de investimentos californiano Irving Investors. “Se você não estiver [alocado] em um dos cerca de 10 nomes, será incrivelmente desafiador ganhar dinheiro.”
Na semana em que a Nvidia se tornou a primeira empresa do mundo a valer US$ 5 trilhões, o domínio de um punhado de grandes empresas de tecnologia está se tornando ainda mais proeminente.
Oito das dez maiores ações do S&P 500 são ações de tecnologia. Essas oito empresas representam 36% do valor de todo o mercado americano, 60% dos ganhos no índice desde que o mercado atingiu a última mínima, em abril, e quase 80% do crescimento da receita líquida do S&P 500 no último ano.
De acordo com analistas da Nomura, a alta de aproximadamente 2,4% do S&P 500 nas cinco sessões até quarta-feira (29), inclusive, foi quase inteiramente impulsionada por apenas três ações —Alphabet, Broadcom e Nvidia.
“Nos EUA, estamos claramente em um mercado impulsionado por momentum, liderado por um punhado de empresas de tecnologia negociando a valores claramente duvidosos“, diz Steven Grey, diretor de investimentos da Grey Value Management.
Com o S&P 500 subindo cerca de 16% este ano, “os investidores que simplesmente fecharam os olhos e embarcaram na jornada se saíram bem”, acrescenta.
Um investidor de varejo pode pensar que colocar fundos no índice MSCI All World lhe daria uma carteira diversificada. Mas esse índice, que compreende mais de 2.000 empresas de mais de 40 mercados, atualmente tem quase um quarto de sua capitalização em apenas oito grupos de tecnologia dos EUA.
O domínio da tecnologia está longe de ser um fenômeno novo: grupos incluindo Apple, Microsoft e Meta têm impulsionado os mercados dos EUA desde a grande crise financeira há mais de 15 anos. Os mercados ao redor do mundo também tendem a ser concentrados no topo, dominados por um pequeno número de empresas que geram a maioria dos retornos para os acionistas.
Nos EUA, a concentração do mercado de ações é um subproduto natural do pequeno número de empresas responsáveis pela maior parte do crescimento dos lucros e dos gastos de capital.
Google, Amazon, Meta e Microsoft, por exemplo, planejam gastar mais de US$ 400 bilhões em data centers em 2026, além de mais de US$ 350 bilhões neste ano.
Em outubro, o economista-chefe do FMI disse que o boom de investimentos em IA, já um dos maiores movimentos de capital na história moderna, ajudou os EUA a evitar uma desaceleração acentuada.
Preocupações persistentes sobre excesso de capacidade e quando a onda de investimentos pode entregar retornos significativos vieram à tona na quinta-feira, no entanto, depois que Alphabet, Meta e Microsoft publicaram seus últimos resultados trimestrais.
Enquanto as ações da Alphabet subiram 3% com a empresa-mãe do Google aumentando seus planos de gastos de capital para 2025 em US$ 8 bilhões para US$ 93 bilhões, a Meta caiu 12% quando disse que os investimentos com IA ultrapassariam US$ 100 bilhões no próximo ano.
Espera-se que a pesada aposta em infraestrutura de IA desacelere o impulso de lucros nos principais grupos de tecnologia. Prevê-se que os lucros da Meta cresçam em média apenas 1% em cada um dos próximos quatro trimestres, tendo aumentado em média 37% nos quatro anteriores, de acordo com dados da S&P Capital IQ.
A Microsoft —que ultrapassou uma avaliação de US$ 4 trilhões nesta semana após finalizar um pacto de reestruturação com a criadora do ChatGPT, OpenAI— caiu 3% depois de relatar um aumento de gastos de 74% em relação ao ano anterior.
“A concentração beneficiou muitas pessoas. Quem invvestiu em um índice ponderado por capitalização ganhou dinheiro, e muito”, diz Kathryn Kaminski, estrategista-chefe de pesquisa do grupo de investimentos AlphaSimplex.
“Ao mesmo tempo, se um dos gigantes cair ou todos caírem, eles podem levar todo o mercado com eles.”
PONTO DE VIRADA
A nova fase de concentração do mercado começou com o lançamento do ChatGPT em novembro de 2022.
Desde então, o fervor dos investidores por software que pode gerar respostas semelhantes às humanas para perguntas, redigir poemas e gerar imagens sob demanda impulsionou uma alta de 165% para uma cesta de ações ligada s à IA.
O S&P 500 subiu cerca de 70% no mesmo período, enquanto empresas que não utilizam a IA como parte central de seus negócios subiram apenas 25%.
Entre 2023 e 2024, as chamadas Sete Magníficas —Apple, Microsoft, Meta, Amazon, Alphabet, Nvidia e Tesla— foram responsáveis pela grande maioria dos ganhos do mercado mais amplo, com empresas menores adjacentes à IA registrando retornos mais modestos.
Ações de IA além das Sete Magníficas, incluindo grupos de energia como GE Vernova e Vistra e grupos de software como Palantir —que ostenta a maior avaliação em relação aos seus lucros de qualquer empresa do S&P 500— e Oracle, agora estão superando seus rivais maiores à medida que os investidores rotacionam para longe dos maiores nomes. Ações não relacionadas à IA continuam ficando para trás.
“Estou interessada em empresas de tecnologia mais baratas que ainda podem se destacar com IA, e algumas que possuímos, como [o grupo de armazenamento de dados] Seagate e [o grupo de testes de semicondutores] Teradyne, fizeram isso na quarta-feira”, diz Que Nguyen, chefe de pesquisa e estratégia de ações transversais da Research Affiliates.
Ela desafia a ideia de que apenas a IA está impulsionando o mercado de ações dos EUA para cima. “Se tivéssemos sete Nvidias dominando o mercado e a economia, isso seria loucura”, diz ela.
“Mas a Amazon vende computação em nuvem e também vende cereais. A Apple tem hardware e software. Meta e Alphabet estão em comunicações. Elas não são apenas empresas de IA. O tema que as une é que são vistas como líderes no aproveitamento de novas tecnologias para o benefício de seus negócios.”
Enquadrar mercados concentrados no topo como inerentemente arriscados também ignora como os investidores gravitaram para “empresas grandes, estáveis e diversificadas”, acrescenta Nguyen. “Maior concentração está na verdade associada a menor risco.”
Um estudo recente intitulado “A Falácia da Concentração” pelo CEO da Windham Capital Management, Mark Kritzman, e David Turkington, da State Street Associates, apoia sua afirmação.
Para verificar se mercados de ações concentrados no topo tornam o investimento mais arriscado, os autores testaram o que descrevem como uma “regra de negociação dinâmica”, que reduzia a exposição a ações à medida que a concentração do mercado crescia e, depois, aumentava a exposição a ações conforme o S&P 500 se tornava mais equilibrado.
Kritzman e Turkington concluíram que a estratégia de comprar e manter “gerou mais do que o dobro de riqueza que a estratégia dinâmica, e com menos risco”.
Em Wall Street, o otimismo com a IA é universal. Uma característica notável do rali da IA é a extensão em que avaliações corporativas robustas dependem das maiores ações gerando constantemente quantidades sem precedentes de dinheiro no futuro distante, apesar da probabilidade de que concorrentes eventualmente surjam para corroer sua participação de mercado.
“Existe um mundo em que essas principais empresas continuam a dominar por anos”, diz Kaminski.
De fato, alguns investidores parecem ter descartado a noção de que a IA possa se provar algo menos que revolucionária e transformadora, de acordo com Qian Wang, economista da Vanguard.
“O mercado frequentemente se antecipa”, diz ela. “Quando as avaliações estão esticadas com grandes esperanças para o futuro, o risco de queda frequentemente supera o potencial de alta.”
As ações dos EUA estão sendo negociadas a níveis extremos por quase todas as medidas, com as empresas de IA sendo quase inteiramente responsáveis.
O índice preço-lucro ajustado ciclicamente do S&P 500 —que compara preços de ações a uma média de lucros ajustados pela inflação ao longo de um período de 10 anos— está em seu nível mais alto em 25 anos. O índice preço-vendas do mercado —quanto os investidores estão dispostos a pagar por cada dólar de receita de uma empresa— está acima dos níveis atingidos durante a bolha da internet de 1999.
Desde 1970, o valor total de todas as ações negociadas publicamente nos EUA tem sido em média cerca de 85% do PIB dos EUA. Warren Buffett uma vez descreveu isso como “provavelmente a melhor medida única de onde a capitalização está, a qualquer momento”. Na terça-feira, a métrica subiu para um recorde de 225%.
Alguns observadores do mercado atribuem o rali implacável do setor de tecnologia a investidores de varejo indiscriminados tomados pelo medo de ficar de fora, embora investidores institucionais sejam frequentemente tão culpados.
“Se você ignorar o fator de sentimento do investidor, nossos modelos estão gritando para vender”, diz Jason Hsu, fundador e presidente da Rayliant Global Advisors, que possui cerca de 150 ações americanas em seu portfólio.
A maioria dos traders descarta a conversa sobre uma perigosa bolha de investimento em IA como prematura, argumentando que, diferentemente da era das empresas na virada do milênio, os queridinhos do mercado de ações de hoje têm balanços robustos sustentando seus vastos programas de gastos.
O presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, saiu em defesa dos otimistas nesta semana, logo após o banco central dos EUA reduzir as taxas de juros pela segunda vez este ano: “As empresas que são tão altamente valorizadas [hoje] realmente têm lucros”.
Os céticos imediatamente apontaram para várias empresas da crise de 1999 cujas ações despencaram na virada do milênio, apesar de suas finanças sólidas.
“A Cisco Systems tinha lucros e um modelo de negócios em 1999. Suas ações posteriormente caíram 90%”, diz Mike O’Rourke da Jones Trading. “Um produto popular não garante um bom negócio. Yahoo e AOL também eram populares.”
Em uma nota a clientes no mês passado, analistas do Barclays distinguiram as operadoras de telecomunicações altamente alavancadas que desabaram após liderarem uma expansão de infraestrutura há 25 anos e as empresas de IA que financiam seus próprios gastos hoje.
Mas a distinção já está começando a se desfazer. Na quinta-feira, o Financial Times informou que a Meta planeja levantar US$ 25 bilhões com uma venda de títulos para ajudar a pagar pelos crescentes custos de IA. A Oracle vendeu US$ 18 bilhões em títulos em setembro para ajudar a pagar pelo desenvolvimento de data centers que alugou para fornecer poder computacional à OpenAI.
“A fase fácil e confortável em que a construção da IA era totalmente autofinanciada está chegando ao fim”, diz o estrategista da Nomura, Charlie McElligott, que acrescentou que a “euforia” da IA poderia rapidamente se transformar em “ceticismo” se as grandes empresas de tecnologia recorressem aos mercados de dívida de forma muito agressiva.
Por enquanto, no entanto, “as pessoas não estão preocupadas com o risco de queda, elas estão preocupadas em perder a alta”.