Empresas dos Estados Unidos emitiram mais de US$ 200 bilhões em títulos de dívida neste ano para financiar gigantescos projetos de infraestrutura ligados à IA (inteligência artificial), em um movimento que analistas preveem que vai “inundar” o mercado e gerar novos riscos para investidores de crédito.
As grandes companhias de tecnologia que fornecem a base de computação em nuvem da internet vinham bancando seus maciços investimentos em centros de dados e infraestrutura com lucros robustos e balanços sólidos. Mas, diante dos custos iniciais cada vez maiores e de retornos que ainda devem demorar anos, elas têm recorrido com mais frequência ao mercado de dívida.
A Meta, de Mark Zuckerberg, vendeu nesta semana US$ 30 bilhões em títulos para financiar seus projetos de IA. A operação foi fortemente disputada, com cerca de US$ 125 bilhões em ordens —a maior demanda já registrada, em dólares, por um título corporativo de grau de investimento nos EUA, segundo duas pessoas próximas ao negócio.
O Goldman Sachs estimou que as vendas “gigantes” de empresas como Meta, Alphabet e Oracle, que somam cerca de US$ 180 bilhões, fizeram com que as emissões ligadas à IA representassem mais de um quarto de toda a oferta líquida de dívida corporativa americana neste ano.
“O apetite voraz das grandes empresas de tecnologia por dívida para financiar investimentos em IA vai desviar a demanda de outros segmentos do mercado de crédito corporativo”, afirmou Gordon Shannon, gestor da TwentyFour Asset Management.
A Oracle vendeu US$ 18 bilhões em títulos em setembro —também em uma operação amplamente disputada— para ajudar a financiar o desenvolvimento de centros de dados que aluga para fornecer poder de computação à OpenAI.
“Essas empresas que se comprometeram com construções enormes para basicamente um único cliente vão precisar levantar capital caro”, disse Gil Luria, chefe de pesquisa em tecnologia da DA Davidson. “Os títulos que estamos vendo agora ainda não estão caros por causa do momento do ciclo econômico, mas essas companhias vão precisar de centenas de bilhões de dólares adicionais.”
Ele acrescentou: “Se o mercado acabar investindo centenas de bilhões em ativos que se depreciam rapidamente e que talvez não gerem retorno suficiente, o risco pode se tornar sistêmico.”
Em relatório publicado nesta sexta-feira (31), analistas do Barclays afirmaram que, embora “a onda da IA ainda não tenha sido um grande motor de oferta em nosso mercado … várias operações neste ano mostram potencial para mudar esse quadro de forma drástica”. O banco descreveu essas emissões como um “elefante na sala” para muitos investidores.
“O salto nos volumes de investimentos pode finalmente romper a represa e levar a uma enxurrada de emissões que antes não prevíamos”, escreveram.
Gestores de grandes fundos disseram que o aumento das vendas de títulos vai obrigar investidores de renda fixa a encarar as mesmas dúvidas que pairam sobre os acionistas quanto à sustentabilidade do boom de gastos com IA.
Fraser Lundie, chefe global de renda fixa da Aviva Investors, afirmou que esse movimento pode aumentar a sensibilidade do mercado de crédito americano a variações de juros, dado o longo prazo dos papéis emitidos por gigantes de tecnologia.
Analistas do Goldman Sachs chamaram 2025 de “um ano histórico para emissões líquidas ligadas à IA” e previram que a sequência de vendas de títulos para financiar centros de dados e infraestrutura de energia deve continuar em 2026.
Essas emissões ocorrem em um momento de forte demanda por crédito corporativo, que levou os spreads (a diferença entre o rendimento dos títulos corporativos e os títulos do Tesouro) aos menores níveis deste século nos EUA.
Outros administradores de fundos alertaram para os riscos mais amplos de financiar a próxima etapa dos investimentos de capital por meio dos mercados, em vez de com o próprio caixa das empresas, caso os temores de uma “bolha de IA” se concretizem.
“Se isso deixar muito mais dívida ruim no sistema, as consequências podem ser bem negativas”, afirmou Kevin Thozet, membro do comitê de investimentos da Carmignac. “E, para complicar ainda mais, parte dessa dívida é financiada de forma privada, o que torna tudo bastante opaco.”
Colaborou Robert Smith, em Londres